A Portaria RFB 315/2023, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 17 de abril, regulamenta o oferecimento e a aceitação do seguro garantia e da fiança bancária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
A Administração Pública tem regulamentado, em diferentes âmbitos, os requisitos para aceitação do seguro garantia e da carta de fiança bancária. Exemplo disso foi a expedição recente da Portaria Normativa 41/2022, que atualizou os requisitos para o aceite do seguro garantia e da carta fiança bancária para a garantia de créditos inscritos em dívida ativa no âmbito da Procuradoria-Geral Federal (PGF).
A Lei Federal nº 6.830/1980 (LEF) já previa a possibilidade de que os contribuintes ofertassem fiança bancária em garantia a débitos objeto de execuções fiscais, o que foi regulamentado pela Procuradoria da Fazenda Nacional pela Portaria PGFN nº 644/2009. Em 2014, com a Lei Federal nº 13.043, a apólice de seguro garantia foi incluída no artigo 9º, II da LEF, e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editou a Portaria 164/2014, elencando os requisitos para aceitação desta modalidade em executivos fiscais.
Contudo, apesar da clareza dos normativos, ainda havia resistência das Autoridades Fiscais em aceitar essas garantias para outros fins, como: antecipação de penhora de futura execução fiscal, celebração de transações, e afastamento de atos de constrição indireta, como, por exemplo, o arrolamento de bens.
Em vista desse posicionamento, a Instrução Normativa RFB 2.122/2022 adicionou os parágrafos 6º, 8º e 9º ao artigo 15 da Instrução Normativa RFB 2.091/2022, para admitir a possibilidade de substituição de arrolamento de bens por seguro garantia.
Além disso, a Portaria RFB 247/2022, publicada no DOU, em 22 de novembro de 2022, regulamenta a transação de débitos sob administração da Receita Federal do Brasil, e prevê a “flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de arrolamentos e demais garantias” (artigo 8º, V). As inovações normativas promovidas pela referida Portaria visam, sobretudo, “assegurar que a cobrança dos créditos tributários seja realizada de forma menos gravosa para União e para os contribuintes” (artigo 3º, IV).
Agora, por meio da Portaria RFB 315/2023, foram estabelecidas a forma e as condições para o oferecimento e a aceitação de fiança bancária e seguro garantia perante a RFB, sob duas modalidades:
>> Substituição de Bens e Direitos: para alteração da garantia de débitos tributários em transação tributária ou de bens e direitos arrolados; e
>> Aduaneira: para apresentação em processos aduaneiros de fiscalização, habilitação, entre outros arrolados no inciso VI do artigo 2º da Portaria RFB 315/2023.
Os requisitos gerais para aceitação dessas garantias estão previstos nos artigos 3º a 9º da Portaria RFB 315/2023 e, nos artigos 10 e 11, constam, respectivamente, requisitos para a Modalidade Substituição de Bens e Direitos e para a Modalidade Aduaneira.
Quanto às condições gerais para o seguro garantia, a Portaria RFB 315/2023 exige que a apólice não contenha cláusula de desobrigação decorrente de atos exclusivos do tomador, da seguradora ou de ambos (artigo 4º), e que a vigência do seguro seja mantida mesmo quando o tomador não pagar o prêmio (artigo 3º, parágrafo 4º), exigência essa que já estava prevista na Circular Susep 662, de 11 de abril de 2022. A vigência deve ser de, no mínimo, cinco anos, exceto para o Seguro Aduaneiro exigido na habilitação comum para operar o despacho aduaneiro de remessas expressas, cujo prazo será igual ao prazo da habilitação (artigo 3º, parágrafo 3º).
Já para a carta de fiança bancária, exige-se cláusula de solidariedade entre a instituição financeira e o interessado, com renúncia do benefício de ordem previsto no artigo 827 do Código Civil, além de cláusula de renúncia, pela instituição financeira, ao disposto no artigo 838, I do Código Civil, que dispõe sobre a desobrigação do fiador se o credor conceder moratória ao devedor sem o seu consentimento (artigo 5º, I e III).
O prazo da fiança bancária deve ser indeterminado ou até a liquidação (artigo 5º, II). Admite-se prazo de vigência determinado, desde que igual ao mínimo de cinco anos estabelecido para o seguro garantia e que o contribuinte se obrigue a apresentar nova garantia, com os valores corrigidos, se a exigência administrativa garantida não se encerrar em até 60 dias antes da data final de vigência da fiança bancária (artigo 6º). Assim como no seguro garantia, a carta de fiança bancária não pode conter cláusula de desobrigação decorrente de atos exclusivos do afiançado, da instituição bancária, ou de ambos (artigo 7º).
A Portaria RFB 315/2023 é um avanço ao permitir a apresentação de garantia ainda em âmbito administrativo e, em especial, em substituição ao arrolamento de bens. Porém, ela prevê hipóteses de configuração de sinistro ou liquidação da carta fiança que contrariam o curso natural da discussão e cobrança de débitos tributários. O artigo 12 da Portaria RFB 315/2023 define como hipótese de sinistro, dentre outras, o não pagamento, compensação ou parcelamento do valor devido, em até 30 dias, após a constituição definitiva do crédito tributário ou do não reconhecimento do direito creditório objeto de compensação.
Essa previsão pode representar ponto de controvérsia e desestímulo à oferta de garantias no âmbito da RFB, pois é usual que, finda a esfera administrativa com a manutenção do lançamento fiscal, os contribuintes busquem a via judicial para discutir as exigências fiscais. Nesse caso, o contribuinte precisaria ajuizar ação com muita brevidade e conseguir ordem judicial para permitir a manutenção das garantias enquanto transcorrer a discussão judicial, para evitar seu acionamento.
Ocorrido o sinistro, a seguradora deverá realizar o pagamento em 30 dias (artigo 12, parágrafo 2º) e, nesse caso, chamada a pagar a indenização, poderia cobrar o valor regressivamente do tomador. Assim, essa previsão do artigo 12 da Portaria RFB 315/2023 deveria ser objeto de uma segunda reflexão.
Não obstante, a Portaria RFB 315/2023 é um avanço ao estabelecer a possibilidade de uso do seguro garantia e da fiança bancária, em especial substituindo o arrolamento de bens, e passa a ser importante guia para apresentação de seguro garantia ou fiança bancária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.
Fonte: Mattos Filho
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