Por Walter Polido*
Muitos devem estar se perguntando o que, efetivamente, acontecerá a partir da liberação dos clausulados pela Susep, uma vez concluídos os processos referentes às consultas públicas 16/2020 (seguros de danos – massificados) e 18/2020 (seguros de danos – grandes riscos).
O nível de preocupação aumenta diante da promessa de que as circulares serão expedidas ainda em dezembro deste ano, com início de vigência em janeiro de 2021. A expectativa é grande, notadamente entre os progressistas que desejam ver o Brasil no patamar dos mercados de seguros desenvolvidos. Hoje, essa marca está bem distante, se analisadas as bases contratuais vigentes.
Os clausulados de seguros nacionais sempre foram objeto de intervenção vigorosa do Estado, sendo majoritariamente pelo IRB durante os quase 70 anos de monopólio de resseguro (1939-2007) e depois pela Susep, a partir da abertura do resseguro (Lei Complementar n.º 126/2007). Esse modelo se esgotou e já faz muito tempo. Inclusive, não deixará boas lembranças, na medida em que o procedimento conducente do Estado reduziu a capacidade de criação das seguradoras por todo esse longo período. Os produtos de seguros nacionais, atualmente comercializados, estão longe do padrão de excelência (good local standard) e têm gerado toda a sorte de conflitos, inclusive em sede judicial, prejudicando os consumidores.
A liberação anunciada pela Superintendência, bem-vinda, modificará – e muito – o cenário atualmente conhecido, o qual é notório: supremacia dos produtos de seguros padronizados, com diferença apenas no preço.
Nesse contexto das mudanças anunciadas, vozes conservadoras questionam se não seria oportuno manter o status quo conhecido, uma vez que os agentes que atuam no segmento supostamente já conhecem as bases contratuais padronizadas e, para o atendimento dos consumidores de seguros, basta identificar o produto que apresentar o prêmio mais em conta! Certamente, esse paradigma não é bom e sequer encontra justificativa alguma para ser perpetuado. E a grande diferença que será estabelecida a partir da liberação em curso pela Susep repousa, justamente, neste ponto: os produtos deixarão de ser todos iguais. Faz-se necessário indicar, desde logo, que o preço nunca foi e nem será o elemento mais importante para a identificação do melhor produto de seguro e também os segurados precisam ser orientados de maneira profissional a esse respeito pelos seus respectivos corretores.
Quais as vantagens no novo cenário, para o consumidor de seguros?
Muitas. Os produtos não terão mais a formatação estanque encontrada hoje, sendo que uma mesma apólice poderá aglutinar vários tipos de coberturas, diferentemente do modelo ainda vigente, no qual essa possibilidade é extremamente limitada e acaba valorizando muito mais a forma do que a praticidade, e o interesse de quem contrata e paga o prêmio.
Esse procedimento de mercado fechado não é bom para os consumidores. Em contrapartida, o ambiente que valoriza a liberdade de contratação traz com ele maior proteção em face da concorrência salutar, que é estabelecida entre as seguradoras. Esse é o cenário encontrado nos países líderes em seguros e também naqueles em desenvolvimento e que já se descolaram dos entraves burocráticos que antes não permitiam o desenvolvimento do setor.
O modelo de atuação da Susep, ainda em vigor e concebido num outro momento histórico do Brasil, se mostra anacrônico e não permite a liberdade de atuação plena das seguradoras. Mesmo aquelas de origem estrangeira e que operam de maneira muito diferente em outros países, notadamente em relação à oferta de produtos diversificados e com coberturas mais amplas, no Brasil elas são cerceadas e atuam de maneira a ofertar produtos padronizados.
Hoje, a Susep indica em relação aos produtos padronizados de seguros e também para os ditos não-padronizados que, na realidade, fogem muito pouco do modelo padrão, a estrutura básica das condições de coberturas e para muitas delas oferece textos completos, inclusive os conceitos básicos dos termos técnicos dos diferentes tipos de seguros e nem sempre conformes à contemporaneidade da legislação. Este papel não é do Estado.
A responsabilidade pela elaboração dos clausulados de coberturas, conforme a legislação vigente e os contornos traçados pela doutrina especializada, constitui prerrogativa exclusiva das seguradoras privadas, não podendo ser cerceada pelo poder público, assim como vem ocorrendo no mercado nacional desde sempre. É passada a hora desse círculo ser rompido, inaugurando novo modelo de atuação no País e voltado essencialmente para os procedimentos encontrados e já testados internacionalmente, os melhores possíveis.
Os consumidores de seguros ganham – e muito – com esse novo modelo. Não há, portanto, nenhuma justificativa para que o processo deixe de ser realizado. Inclusive, o ordenamento jurídico vigente e representado pelo Capítulo XV do Código Civil, mais as normas principiológicas do Código de Defesa do Consumidor são suficientes para imantar o novo cenário, subsumindo os novos modelos de atuação do mercado.
A bem da verdade, o mercado de seguros nacional sempre atuou sob a regência do Código Civil, notadamente a partir da edição do CC de 1916, substituído pelo novo em 2002. A edição de uma lei especial para o contrato de seguro, microssistêmica, seria muito bem-vinda para o setor e para o ordenamento nacional, mas ela não constitui, de modo algum, pressuposto essencial para a liberdade de elaboração dos clausulados de coberturas. A Susep, inclusive, não poderia deixar de cumprir uma de suas principais funções representada pelo fomento das operações de seguros no País, tornando-se refém de uma lei que não se sabe se será promulgada um dia. Os consumidores de seguros brasileiros precisam ser melhor atendidos e já.
Mas o que ocorrerá, efetivamente, após a expedição das mencionadas normas pela Susep?
Logo de início, os clausulados que vêm sendo comercializados continuarão valendo e nem poderia ser diferente o entendimento, uma vez inexequível a substituição imediata de todos eles. As seguradoras, contudo, serão instadas a lançar novos modelos de produtos, sendo que várias lançarão – e algumas delas já aguardam a oportunidade, aproveitando o novo cenário de liberdade e serão seguidas pelas demais, forçosamente. É a lei natural do mercado.
A diversificação de ofertas de produtos será a marca do novo cenário competitivo e esse modelo é salutar e bom para os consumidores de seguros. A marca crucial da liberdade de elaboração de clausulados está centrada nesse ponto, ou seja, na oferta de novos produtos aos consumidores. Nenhuma seguradora deseja oferecer o produto menos atrativo em termos de abrangência de coberturas e preço competitivo.
Todos os agentes do mercado de seguros brasileiro estão preparados suficientemente para atuar nesse novo cenário, o qual está muito próximo de acontecer?
As seguradoras devem redobrar esforços neste sentido, uma vez que a liberdade de atuação implica num perfil muito mais aprimorado dos técnicos dos diferentes ramos de seguros que ela opera. Não basta conhecer minimamente os produtos, antes padronizados, para realizar a subscrição/underwriting e de maneira sustentável. O subscritor precisa conhecer, profundamente, os fundamentos técnico-jurídicos do respectivo segmento no qual atua.
Ele deverá, no mercado aberto, exercer efetivamente a tarefa de subscrição, analisando riscos e de modo a estabelecer termos e condições adequadas a cada situação. A padronização deixa de ser o modelo clássico, na medida em que grande parte dos riscos está sujeita a diferentes tratamentos. Apenas algumas situações continuarão sendo absorvidas pelos procedimentos padronizados e genéricos, sendo que nessa linha os aplicativos insurtechs poderão realizar o trabalho.
E os corretores de seguros neste novo cenário? Mudará algum procedimento para eles, hoje bastante voltado à cotação de riscos?
Assim como para as seguradoras, a mudança de relacionamento e exigências para o corretor de seguros é mandatória. Não haverá como permanecer os mesmos padrões de atendimentos. Os produtos serão diversificados. Os modelos e as formas de contratar seguros serão outras. Caberá ao corretor de seguros antecipar, com base nas necessidades individualizadas dos clientes, as possíveis estruturas de seguros cabíveis, uma vez que uma mesma apólice poderá suportar diferentes coberturas, as quais hoje são representadas por várias apólices simultaneamente.
Caberá somente às seguradoras esse exercício intelectual e técnico?
Certamente que não. O preço, obtido através de cotações, deixa de ser o fator mais importante e praticamente único, assim como é considerado na atualidade.
Todos os corretores estarão aptos para o novo momento?
Sim, mas desde que se adaptem efetivamente e adquiram conhecimento de base, profundamente. Não basta ser habilitado e sob os padrões atualmente conhecidos e mínimos. O novo cenário requer aperfeiçoamento técnico e conhecimento com excelência. Quem não estiver aberto para as exigências, se aperfeiçoando, encontrará dificuldades para atuar, além da concorrência que já existe e se avoluma cada dia mais, representada pelos aplicativos insurtechs. O tempo é outro. O corretor de seguros precisa se reinventar.
Os resseguradores internacionais, que já presenciaram cenários semelhantes ao brasileiro em outros países, são usualmente agentes de , na medida em que eles podem auxiliar as cedentes, seguradoras, trazendo modelos de produtos de sucesso de outros mercados desenvolvidos. De todo modo, atualmente, esse papel já é desempenhado pelas próprias seguradoras estrangeiras, sendo que será intensificado após a abertura promovida pela Susep. Haverá, portanto, um círculo virtuoso neste movimento de renovação e desenvolvimento setorial.
A Conhecer Seguros, inserida nesse novo cenário, promove a oferta de Cursos de Subscrição de diversos ramos, todos eles especialmente desenhados com o propósito de oferecer treinamento de ponta. Com metodologia voltada à prática de subscrição, os cursos são online ao vivo e os conhecimentos transmitidos através de “estudos de casos”, os quais são encontrados no cotidiano de mercado livre. O ensino inserirá o aluno no cenário de conhecimento adequado e necessário para que ele possa analisar cada estudo de caso e estabelecer os termos e condições adequados, se os riscos forem aceitos.
* Walter Polido é diretor da Conhecer Seguros. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, advogado, técnico-especialista em seguros e resseguros, consultor da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros, também é árbitro em seguros e resseguros, parecerista, professor universitário e escritor.
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