O novo marco legal da securitização foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 4 de agosto. A Lei 14.430, de 2022, também cria a Letra de Risco de Seguro (LRS) e apresenta nova regulação para os corretores de seguros, tema sobre o qual recaíram os três vetos do presidente da República, Jair Bolsonaro. A nova norma é resultado da Medida Provisória (MPV) 1.103/2022, aprovada no Plenário do Senado no dia 6 de julho, sob a relatoria do senador Roberto Rocha (PTB-MA).
A securitização é um processo que permite a transformação de dívidas em títulos de créditos negociáveis. Até a edição da MP, as regras estavam dispersas em várias leis, e o governo julgou necessário a edição de um diploma legal para o setor.
A lei também trata da Letra de Risco de Seguro (LRS), um título de crédito, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro. A intenção é ampliar as opções de diluição do risco de operações de seguros, previdência complementar, saúde suplementar ou resseguro.
A LRS está vinculada a riscos de seguros e resseguros e poderá ser emitida exclusivamente por meio das Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPE), que são empresas que atuam no mercado de riscos de seguros, de previdência complementar, de saúde complementar, de resseguro (seguro para seguradoras) ou de retrocessão (desapropriação efetuada pelo Poder Público).
Comissão de corretagem
Os vetos de Bolsonaro dizem respeito à atuação dos corretores de seguros. O primeiro item vetado dizia que as comissões de corretagem somente poderiam ser pagas a corretor devidamente habilitado e deveriam ser informadas aos segurados quando solicitadas.
Segundo o Executivo, apesar da boa intenção do legislador, a medida contraria o interesse público, tendo em vista que o provimento das informações ao usuário de seguros somente ocorreria mediante a solicitação do segurado, o que criaria uma condição para se obter transparência de informações remuneratórias da relação de intermediação.
“Nesse sentido, a medida representaria um retrocesso em relação aos avanços regulatórios observados nos últimos anos, inclusive em comparação com jurisdições internacionais, e contrariaria também as garantias previstas pelo Código de Defesa do Consumidor, no estímulo à concorrência e no favorecimento saudável à competição entre os agentes de mercado”.
Supervisão da Susep
O Executivo também vetou artigo segundo o qual os corretores de seguros que não se associassem ou se filiassem a uma entidade autorreguladora do mercado de corretagem de forma facultativa deveriam ser supervisionados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Atualmente, a Susep tem tal atribuição sobre todos os profissionais, mesmo aqueles que estejam filiados a uma autorreguladora.
Para o governo, isso limitaria a abrangência do poder de polícia do Estado, particularmente, relativa à atuação fiscalizatória da Susep sobre os corretores. “Nesse sentido, eventual restrição definida em lei sobre a atuação da Susep poderia suscitar questionamentos sobre a legalidade do dispositivo e gerar insegurança jurídica na atuação da referida Superintendência”, alegou.
Dispensa de corretagem
A lei que regula a profissão de corretor (Lei 4.594/1964) diz que nos seguros efetuados diretamente entre o segurador e o segurado, sem interveniência de corretor, não há corretagem a pagar. O texto aprovado pelo Congresso Nacional revogou tal comando, que, no entanto, também foi vetado.
Para o Executivo, novamente “foi boa a intenção” do legislador, mas há contrariedade ao interesse público, pois poderia gerar insegurança jurídica para as partes que se relacionam na contratação de seguros, haja vista a possibilidade de não interveniência dos corretores nas contratações de seguros, prevista no Decreto-Lei 73/1966, e pela própria Lei 4.594/1964.
Todos os vetos do presidente da República partiram de análise do Ministério da Economia e agora terão de ser analisados pelo Congresso Nacional, em sessão a ser agendada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Análises do escritório Mattos Filho
A Lei introduziu pela primeira vez na legislação brasileira uma definição legal para securitização: “é considerada operação de securitização a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam” (art.18, parágrafo único).
Ao criar uma definição conceitual, desprendida de títulos e valores mobiliários específicos, a Lei confere maior segurança legislativa, possibilitando que novas regulamentações atinjam de forma ampla e uniforme todos os tipos de securitização, caso sigam o mesmo conceito.
Securitização via certificados de recebíveis genéricos e outros títulos e valores mobiliários
A Lei estendeu a possibilidade de as companhias securitizadoras realizarem a securitização de qualquer tipo de direito creditório por meio de sua vinculação a Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização. Até a edição da MP, os Certificados de Recebíveis somente poderiam ter como lastro créditos imobiliários (Lei n.º 9.514) ou direitos creditórios do agronegócio (Lei n.º 11.076).
Portanto, os Certificados de Recebíveis passam a ser extremamente versáteis, beneficiando todos os setores da economia, representando uma alternativa interessante aos fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, com a vantagem de que os Certificados de Recebíveis consistem em títulos de crédito e comportam estruturas menos custosas e de menor complexidade operacional do que as dos FIDC.
Vale destacar que a Lei admite também que as companhias securitizadoras realizem securitizações mediante a emissão de outros títulos e valores mobiliários que não, necessariamente, os Certificados de Recebíveis. Este racional está em linha com a recém-publicada Resolução CVM 60/21 e tem o condão de ampliar ainda mais as possibilidades do uso da securitização como alternativa para financiamento das atividades mercantis.
Tributação
PIS/Cofins: a Lei altera a Lei n° 9.718, de 27 de novembro de 1998, para estabelecer que, na determinação da base de cálculo do PIS e da Cofins, poderão ser deduzidas as despesas de captação de recursos incorridas pelas companhias securitizadoras, em qualquer categoria de crédito, ampliando a previsão anterior que era limitada a créditos imobiliários, financeiros e agrícolas.
Imposto de Renda: diferentemente do que ocorre com os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e com os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), os rendimentos dos Certificados de Recebíveis não serão isentos do imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas (IRPF), uma vez que a Lei não traz alterações nesse benefício fiscal previsto na Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004. Os rendimentos decorrentes dos Certificados de Recebíveis devem, em princípio, submeter-se às regras de tributação aplicáveis aos títulos de renda fixa.
Ampliação do uso do regime fiduciário e patrimônio separado: o regime fiduciário possibilita a segregação dos ativos e passivos sobre os quais incide dos demais ativos e passivos da companhia securitizadora. Logo, consiste em um instituto jurídico essencial para viabilizar a realização de múltiplas operações de securitização por uma mesma companhia securitizadora, com segregação de risco de crédito entre elas. Assim, a instituição do regime fiduciário traz maior segurança jurídica para os investidores, uma vez que o risco assumido está restrito ao risco de performance do respectivo patrimônio separado.
Até a edição da MP, somente os CRI e os CRA eram beneficiados pela instituição do regime fiduciário. Agora, qualquer operação de securitização realizada por uma companhia securitizadora pode se beneficiar da instituição de um regime fiduciário, simplificando estruturas que se valem de formas sintéticas de segregação patrimonial (como a oneração de recebíveis por meio de cessão fiduciária).
A Lei reforça que os “patrimônios separados” estarão segregados do patrimônio da companhia securitizadora inclusive em relação a passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas, pondo fim a um antigo receio do mercado sobre a aplicabilidade da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.
Adicionalmente, a Lei ressalta que os direitos creditórios que lastrearão os Certificados de Recebíveis serão previamente identificados, atenderão aos critérios de elegibilidade previstos no termo de securitização e deverão ser adquiridos até a data de integralização dos Certificados de Recebíveis.
Revolvência
Em linha com a evolução que já vem acontecendo em âmbito regulatório na Comissão de Valores Mobiliários, a Lei estabeleceu que as operações de securitização realizadas por companhias securitizadoras podem contar com o mecanismo de revolvência. Este mecanismo consiste na possibilidade de substituição ou aquisição futura dos direitos creditórios vinculados aos Certificados de Recebíveis com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão.
Esta possibilidade é especialmente importante para setores da economia que possuem recebíveis de curto prazo e desejam realizar transações que tenham prazo superior ao ciclo dos recebíveis subjacentes.
A estrutura da revolvência já havia sido admitida para as operações de CRA e isso foi reforçado por meio da Resolução CVM 60/21. Com a Lei, a possibilidade de revolvência é estendida a todos os Certificados de Recebíveis. No entanto, é importante lembrar que a Resolução CVM 60/21 atualmente veda a revolvência nas operações de securitização de créditos imobiliários por meio da emissão de CRI. A expectativa é que a CVM siga o disposto em legislação federal e reveja seu posicionamento sobre a revolvência em emissões de CRI.
Chamadas de capital
A Lei expressamente criou a possibilidade de as companhias securitizadoras celebrarem com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis conforme chamadas de capital feitas de acordo com o cronograma esperado para a aquisição dos direitos creditórios, trazendo para as securitizações realizadas nos termos da Lei uma forma de gestão de recursos muito mais eficiente.
Emissão de novas classes e séries
Nossa leitura da Lei é a de que será possível emitir novas séries ou classes de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários sob uma emissão previamente realizada, com o consequente compartilhamento de um mesmo patrimônio separado desde que essa opção esteja prevista na documentação da securitização. Esta é mais uma novidade apresentada pela Lei e viabilizará securitizações de direitos creditórios cuja exigibilidade esteja sujeita a determinadas condicionantes, de forma que estes direitos creditórios possam ser antecipados integralmente, atingindo seu potencial máximo de financiamento.
Dação em pagamento
Atendendo a um pleito do mercado, a Lei dispõe de forma expressa a possibilidade de pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização mediante à dação em pagamento dos direitos creditórios vinculados à operação de securitização, trazendo mais segurança jurídica para as situações nas quais se tinha a liquidação do patrimônio separado e destituição do regime fiduciário. Além disso, possibilitando que sejam reguladas outras hipóteses nas quais o resgate dos títulos de securitização seja feito com os direitos creditórios que lhe servem de lastro.
Variação cambial e registro em mercado externo
O Certificado de Recebíveis poderá ser emitido com cláusula de correção pela variação cambial, desde que seja: integralmente vinculado a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda e emitido em favor de investidor residente ou domiciliado no exterior. Até a edição da MP, essa possibilidade era restrita aos CRA. Agora, não só abrange os CRI, mas também qualquer outro certificado de recebível que atenda aos requisitos listados.
A Lei prevê que o Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer outras condições para a emissão de Certificado de Recebíveis com cláusula de correção pela variação cambial, inclusive sobre a emissão em favor de investidor residente no Brasil, o que já havia sido regulamentado e autorizado para os CRA.
Ofertas públicas
Regras atuais: as ofertas públicas no Brasil atualmente são reguladas principalmente por duas instruções (Instrução CVM 400/03 e Instrução CVM 476/09). A Instrução CVM 400/03, que regula as ofertas públicas registradas na CVM, não possui um rol taxativo de valores mobiliários que podem ser emitidos sob sua égide e, portanto, já admitiriam a oferta pública de Certificados de Recebíveis realizada por uma companhia securitizadora registrada como emissor de valores mobiliários ou nos termos da Resolução CVM 60/21.
A Instrução CVM 476/09, que regula as ofertas públicas com esforços restritos de venda com dispensa de registro na CVM, possui um rol taxativo de valores mobiliários que podem ser emitidos sob sua égide. Não será possível realizar uma oferta pública restrita de Certificados de Recebíveis até que seja emitido um posicionamento formal favorável da CVM nesse sentido.
Em qualquer caso, dado que é possível realizar operações de securitização com outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização, as companhias securitizadoras poderão se valer de títulos conhecidos pelo mercado (como as debêntures) para realizar uma securitização nos termos da Lei.
Novas regras: conforme publicação recente no Único, a Resolução CVM 160, de 13 de julho de 2022, que estabeleceu um novo marco regulatório para as ofertas públicas no Brasil, não contém um rol taxativo de valores mobiliários que poderão ser ofertados publicamente. Desta forma, será possível realizar ofertas públicas dos Certificados de Recebíveis sob o rito automático ou ordinário, a partir de 2 de janeiro de 2023.
Revogações
A Lei revogou as principais disposições relacionadas aos CRA presentes na Lei nº 11.076/04 e aos CRI presentes na Lei 9.514/97, mantendo tão somente os artigos que criaram tais títulos.
Fonte: Agência Senado e Mattos Filho
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