Há o que comemorar diante da capitulação da CNSeg ao PLC 29/17?

Por Walter Polido*

 

Muito pouco, considerando-se os pontos erráticos, tão contundentes, que acabam neutralizando aquilo que poderia ser destacado como novidade favorável. Não é isso que o mercado de seguros, especificamente a sociedade brasileira e o progresso do setor, necessitam.

O mercado de seguros brasileiro passa por um momento de desafios, com vistas na sua modernização, há muito congelada no passado, não podendo ser confundida com o incremento de novas contratações. A qualidade dos produtos comercializados é a principal questão e o nível desejável ainda não foi alcançado. Uma nova Lei de Seguros pode ajudar a promover o salto necessário para o patamar da excelência técnica? Essa propulsão, pode-se antever, não terá como combustível o texto Substitutivo em foco.

São inúmeros os pontos controversos, os quais diferenciam o Brasil dos demais mercados internacionais, cuja segregação não promove negócios, não estimula investimentos de longo prazo, não faz o país se destacar positivamente por ser diferente. Ao contrário, estimula que os parceiros internacionais, necessários na operação de seguros, olhem o país com desconfiança, insegurança jurídica, descaso e, para manterem as relações, acabam estipulando compliances diferenciadores em face de outros mercados, sempre encurtando as ofertas de serviços e principalmente a capacidade de recursos financeiros.

O resseguro será extremamente afetado pela nova versão do texto Substitutivo, de 03.10.23, uma vez promulgado em lei, se for comparado ao “texto de ensaio” do Senado que circulou no mercado recentemente, cuja versão foi elaborada a partir do PLC 29/17. Este PLC, representa um filtro neutralizador da modernização do mercado de seguros brasileiro, até porque ele envelheceu ao longo dos anos, desde a sua versão inicial de 2004. Repise-se, o Brasil não pode regredir. É preciso avançar e não recuar, capitulando em cima de um texto retrógrado, conservador, espelho de um mercado fechado e estatizado, cujo modelo foi rompido depois de quase setenta anos de monopólio de resseguro, em 2007.

 

Aceitação tácita do resseguro

Um dos pontos que causa perplexidade nas mentes voltadas para as práticas universais, a determinação da “aceitação tácita” da oferta de resseguro, cujo procedimento não encontra acolhida em nenhuma parte do planeta e coloca o Brasil na “vitrine do bizarro”, verdadeiramente um marco divisor entre a razão e o afastamento do país das boas práticas internacionais, movidas pela boa-fé (art. 59).

Decadência do direito da seguradora para negar o pagamento da indenização, caso não se pronuncie em 30 dias (art. 84). Esta norma também não tem respaldo na legislação mundial, salvo na Argentina, cuja doutrina especializada nos dá conta das dificuldades e da judicialização que ela promove naquela país, desnecessariamente.

O art. 70, dispondo sobre a não dedução das perdas parciais da importância segurada da apólice, cria um procedimento desconexo das bases atuariais e da precificação dos seguros. A norma do art. 73 está dirigida, subliminarmente, aos resseguradores, sendo que a prática, internacionalmente aceita, acolhe a participação deles na regulação dos sinistros, cooperando ou mesmo controlando (exceção) os processos, muitas vezes a pedido das próprias seguradoras, quando de novos nichos de riscos ou diante de situações complexas de sinistros.

O art. 74 se mostra inexequível em grande parte dos sinistros, cujas causas e prejuízos podem demandar tempo razoável para a devida apuração. Art. 75, não há o menor sentido em estabelecer “solidariedade” entre seguradora e regulador/liquidante de sinistro, na medida em que a tomadora de risco é a seguradora, respondendo aqueles pelas perdas e danos supervenientes no exercício da profissão, por conta da legislação ordinária da responsabilidade civil.

Art. 96, § 2º, norma invasiva, cujo procedimento é determinado pelas práticas de cada mercado, podendo as despesas serem compreendidas na importância segurada única da apólice ou sublimitada, a critério das partes; a lei não deve entrar nesse tipo de questão. Art. 104, a seguradora não pode transigir diretamente com o terceiro prejudicado, em detrimento do interesse do segurado, o qual pode desejar que haja a promulgação de sentença, até mesmo esperando que ela o inocente da acusação que lhe pesa, especialmente na hipótese dos seguros de RC Profissional, cuja reputação do segurado está em questão.

A norma do art. 127 representa uma atecnia legislativa, uma vez que o país dispõe de Lei de Arbitragem, não sendo de boa técnica a criação de subsistema jurídico para um determinado setor. Além disso, a livre vontade das partes deve prevalecer sempre, mesmo porque seguros e resseguro têm ligações internacionais necessárias. O conflito, por exemplo, entre um ressegurador e a retrocessionária estrangeira pode ser dirimido, pela vontade deles, em procedimento arbitral no exterior, sem qualquer impedimento legal.

O Brasil não deve se distanciar do mundo, dos mercados com os quais ele se relaciona comercialmente. Todos esses temas e outros a respeito do PLC 29/17, tivemos a oportunidade de comentar na obra recentemente publicada: POLIDO, Walter A. Contratos de Resseguro na Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2023.

A retórica do Governo a respeito desse tema da Lei de Seguros, não tem correspondido à realidade dos fatos, mesmo porque o referido instrumento, por si só, não terá o condão de ampliar a produção de seguros no país, sequer poderá promover a “confiança” no setor, assim como tem sido anunciado aleatoriamente. Não é deste texto do referido Substitutivo, sem alterações, que a sociedade brasileira precisa. Longe disso, o mercado de seguros pode oferecer bases de seguros muito mais consistentes e modernas, independentemente de uma nova lei específica.

Prevalecendo o texto Substitutivo de 03.10, sem alterações, além da provável judicialização que ele incrementará em razão de várias normas nele contidas, poderá ocorrer incentivo à colocação, ainda mais acentuada, de riscos brasileiros nos mercados externos, sendo que todos os agentes nacionais envolvidos no segmento perderiam e muito com esse movimento contrário, não desejável. Não é o momento, portanto, para comemorar, sendo que o Senado ainda pode modificar o texto, em prol do mercado de seguros nacional e dos segurados brasileiros. A CNSeg, a Fenaber, a ABGR, a AIDA, a Fenacor podem e devem estimular, ainda mais, as discussões em torno do tema. Uma e outra opinião isoladas não podem prevalecer diante de um tema de interesse social e amplo como este.

 

* Walter Polido é diretor da Conhecer Seguros, advogado, consultor, parecerista, professor, árbitro em seguros e resseguros, e autor de livros.

Veja também:

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