Por Paulo Leão de Moura*
Retornamos às discussões veementes em relação ao nosso Sistema de Seguros. Assistimos, com razoável preocupação, a tentativa de retorno aos métodos ultraconservadores através de alegações e ações contrárias e até mesmo de inconstitucionalidades, às medidas de início de abertura que proporcionam condições de desenvolvimento pela justa concorrência implícita na livre iniciativa, com o objetivo de nosso mercado ser inserido ao mercado internacional.
Independente de todo arcabouço legal que rege a atividade de seguro, que certamente deve ser respeitado, julgo que devemos analisar os aspectos que sustentam a abertura proporcionada pelo Conselho Nacional de Seguros e Previdência, CNSP, e a Superintendência de Seguros Privados, Susep, a partir de 2021.
Em primeiro lugar, é importante apresentar as funções desses dois órgãos no contexto do nosso sistema de seguros vigente:
CNSP, Conselho Nacional de Seguros e Previdência, é responsável por fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados.
Susep, Superintendência de Seguros Privados, é responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério de Economia.
Consideradas as atribuições e respeitada a estrutura legal que rege o seguro em geral, as medidas para a abertura do mercado adotadas pelas duas instituições são perfeitamente legítimas.
Outro aspecto importante a considerar é o objetivo da Susep em proporcionar a abertura. A meu ver, salvo melhor juízo, o objetivo foi a modernização das práticas do mercado para sua inclusão aos preceitos da livre iniciativa conforme Artigo 170 da Constituição Federal de 1988 que permite novos produtos, maior concorrência, melhor qualidade e transparência nos contratos e, com isso, claro desenvolvimento.
Em termos gerais, o Brasil sempre foi uma economia fechada e protecionista. Na área de seguros foi assim até 2020. Houve tentativas auspiciosas ocorridas nos anos 80 e 90 como o término do sistema tarifário e o fim do monopólio do resseguro. Desde o início do século XIX, a tendência do nosso mercado foi dar um manto de tradicionalismo ao seguro como função social e condicionado a todo um aparato legal conservador.
Assim, uma abertura voltada à modernização, à liberdade das operações e da criação de produtos e à inserção ao mercado internacional impactou interesses diversos habituados a funcionar com produtos padronizados e engessados cada vez menos atendendo às expectativas do grande sustentáculo do mercado: o segurado, consumidor totalmente esquecido. Assim, normalizamos enorme judicialização de conflitos para a regulação de sinistros polêmicos, justamente, por falta de transparência pela padronização engessada de condições e cláusulas.
A reação à abertura do mercado, portanto, é natural e esperada por ferir a manutenção do ‘status quo’ tão nocivo ao mercado.
Importante ainda, ressaltar que a modernização do mercado no Brasil depende de sua inserção ao mercado internacional. O maior argumento dos conservadores contrários à abertura é que a criação de novos produtos ou a negociação de cláusulas e condições adequadas ao segurado irão gerar uma “babel” de produtos. Ao contrário, os novos produtos serão exatamente os produtos já testados no mercado internacional com a vantagem de inovação e adequação para acompanhar a evolução dos nossos próprios riscos.
O Brasil tem um interesse maior em seguros massificados com volume maior de prêmios e – embora passíveis de modernização e de novos produtos – bem aceitos pelos conservadores por sua necessária padronização para adaptação ao mundo digital. Assim, a grande polêmica é no que chamamos de “grandes riscos” que envolvem todos os aspectos até agora comentados e outras considerações relevantes, a saber:
>> O desinteresse das seguradoras brasileiras ao grande risco;
>> As dificuldades de colocação dos resseguros necessários aos grandes riscos brasileiros face ao baixo nível de retenção pelo mercado segurador brasileiro;
>> O grande risco brasileiro é considerado pequeno ou médio em moeda internacional, portanto, colocado no mercado comum sem privilégios de taxas e preços mais competitivos;
>> Os seguros de grandes riscos estão vinculados a serviços inerentes, principalmente, o gerenciamento de riscos.
Os grandes riscos dependem desses aspectos e acompanham a evolução econômica do Brasil. O segmento industrial, em estagnação há décadas, cedo ou tarde, precisará se modernizar e sair da sua acomodação conservadora. Em algum momento, o Brasil terá que evoluir economicamente, com necessários investimentos, sobretudo na infraestrutura tão carente neste país. O nosso mercado deve estar preparado para responder pela gerência de antigos e novos riscos e proporcionar apoio real aos consumidores.
Ainda quanto à abertura, os conservadores do mercado – tão preocupados com os “grandes riscos”, principalmente à liberdade concedida às seguradoras em negociar cláusulas e condições – ou desconhecem ou tentam esquecer que a Susep, apoiando a Resolução 407 do CNSP, emitiu Circular 621 que determina com clareza e total transparência, as cláusulas e condições que devem fazer parte dos contratos de seguro, todas previstas no arcabouço legal que rege o seguro em geral, inclusive a exigência, entre várias, da análise prévia do risco a ser aceito pela seguradora. Não impôs nem padronizou o texto dessas cláusulas, permitindo sua negociação entre as partes, algo realmente salutar e, acima de tudo, profissional.
De fato, a melhor postura da abertura e sua melhor consequência. Ao menos, nos grandes riscos, ficou claramente demonstrada a necessária prestação de serviços inerentes ao seguro. Os pontos determinantes ao seguro são: o risco e a incerteza de sua ocorrência. Assim, o seguro só se completa com base em amplo gerenciamento de risco que irá determinar a forma da garantia livremente negociada através de clara e transparente análise de risco proporcionando informações de ‘underwriting’ às seguradoras.
Essa foi a real estrutura técnico-operacional proporcionada pela abertura e a necessária modernização profissional no contexto risco-seguro, mantido todo o tradicionalismo envolvendo o seguro. Resta tão somente a velha indagação: a quem, de fato, interessa manter as operações do seguro no status quo ante?
* Paulo Leão de Moura é Chairman da THB Brasil, com mais de 60 anos de experiência no mercado de seguros.
Cursos relacionados da Conhecer Seguros:
>> Especialização em Resseguro
>> Seguro de Responsabilidade Civil Operações Comerciais e(ou) Industriais e Empresas Concessionárias de Serviços de interesse Público (infraestrutura)
Notícias relacionadas: