Seguro no Brasil

Por Cassio Gama Amaral e André Hermont Jahara*

No Brasil, os contratos de seguro sempre foram rigorosamente regulamentados e mal padronizados. Organizado institucionalmente pelo Decreto-Lei nº 73/66 (promulgado durante a ditadura militar e ainda em vigor), o setor segurador brasileiro sempre foi severamente restringido devido ao monopólio estatal (encerrado em 2007) do Instituto Brasileiro de Resseguros – IRB (ou seja, Instituto de Resseguro do Brasil).

A mercantilização de coberturas e produtos prevaleceu durante o monopólio estatal, com termos e condições contratuais padronizadas, prêmios impostos pela resseguradora monopolista e parte dos interessados convenientemente imobilizados pelo Estado.

O segurado, nesse contexto, era obrigado a acatar esquemas anacrônicos de alocação e dispersão de riscos, e mesmo a eventuais influxos de know-how internacional, o mercado brasileiro se limitava a traduzir, palavra por palavra, os termos pertinentes e condições.

Os dados demonstram o atrofiamento histórico do mercado brasileiro. Segundo o Banco Mundial, no Brasil, a relação entre o volume de prêmios de seguros de vida e o PIB em 2019 era de 0,37%, bem atrás de outros países latino-americanos, como Chile (2,84%), Colômbia (1,17%) e México ( 1%), e ainda mais atrás de países desenvolvidos, como França (5,87%), EUA (3,35%) e Alemanha (3,06%).

O Brasil possui uma densidade de seguro de US $ 281, muito menor do que outros países em desenvolvimento, como Chile (US $ 673) e Uruguai (US $ 449), e (mais uma vez) ainda menor do que os países em desenvolvimento de outras regiões (por exemplo, África do Sul e Malásia somam US $ 840 e US $ 518, respectivamente).

No nosso País, o seguro está longe de cumprir o seu papel de importante motor de crescimento e desenvolvimento. De acordo com os dados divulgados pela Swiss Re no “Relatório Sigma nº 4 – Seguro mundial: enfrentando a tempestade pandêmica de 2020”, a penetração do seguro no Brasil, ou seja, a relação entre o valor total dos prêmios e o PIB, é de apenas 4,03% , quando a penetração média no mundo é de 7,23%.

Os dados mostram que o Brasil está longe de atingir o potencial ideal de penetração do seguro na sociedade, ao contrário do que vemos em países desenvolvidos como Reino Unido (10,3%) e França (9,21%), e mesmo em países em desenvolvimento como a África do Sul (13,4%), Namíbia (10,44%), Taiwan (19,97%) e Coréia do Sul (10,78%). Se retirarmos da equação o seguro de vida com capitalização e saúde suplementar, a penetração do seguro no Brasil cai para apenas 1,9% do PIB.

Diante disso, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) têm sido os maiores vetores de inovação para o mercado brasileiro nos últimos anos, estimulando o mercado segurador a pensar no contexto de um mundo fluido, ágil e desafiador, cujas principais contribuições são destacadas a seguir:

1. Criação de segmentos para entidades reguladas para reduzir as exigências regulatórias para empresas de menor / menor complexidade (Resolução CNSP nº 388/2020);

2. Permissão para que as insurtechs operassem temporariamente em ambiente regulatório simplificado, o chamado sandbox regulatório (Resolução CNSP nº 381/2020);

3. Criação de um marco regulatório que permitisse a emissão de Valores Mobiliários Vinculados a Seguros – ILS e a constituição de resseguradoras com finalidade específica – RPE, revelando o Brasil como um possível polo do mercado de dívida (Resolução CNSP nº 396/2020);

4. Seguros autorizados à vista ou on off (Carta-Circular SUSEP nº 592/2019);

5. Permissão às entidades de previdência e operadoras de seguro saúde para cessão de riscos em resseguro (Resolução CNSP nº 380/2020);

6. Criação de regras e princípios éticos e de transparência aplicáveis à mediação de seguros (Resolução CNSP nº 382/2020);

7. Criação do chamado Sistema de Registro de Operações (Resolução CNSP nº 383/2020);

8. Definição das regras para emissão de dívida subordinada e viabilização da dívida ordinária, permitindo uma melhor estruturação do capital pelos regulados (Resolução CNSP nº 391/2020);

9. Atualização do marco sancionatório priorizando a prevenção à penalização (Resolução CNSP nº 393/2020);

10. Simplificação da contratação de seguros no exterior (Carta-Circular SUSEP nº 603/2020);

11. Flexibilização e simplificação das regras de seguros gerais e, consequentemente, a extinção de produtos padronizados, tanto de grandes riscos quanto de seguros massivos (Resolução CNSP nº 407/2021, Ofício Circular SUSEP nº 620/2020 e Ofício Circular SUSEP No. 621/2021).

O CNSP adotou uma postura liberal criando segmentos no mercado e dividindo o que seriam considerados “grandes riscos” (ou seja, onde o poder de negociação técnico e econômico é considerado equivalente entre as partes) do que seria considerado seguro massivo (ou seja, envolvendo parte que costuma ser técnica e economicamente menos sofisticada e, portanto, vulnerável).

Para grandes riscos, conforme declarado na Resolução CNSP nº 407/2021, o CNSP abandonou a microrregulação e padronização da redação dos contratos de seguro em nome de uma abordagem baseada em princípios, destacando (a) a plena liberdade de negociação; (b) boa fé; (c) transparência e objetividade das informações; (d) igualdade de tratamento entre as partes contratantes; (e) incentivo para resolução alternativa de disputas; e (f) intervenção estatal subsidiária e excepcional no design de produtos.

Por outro lado, a resolução indica as matérias que devem ser obrigatoriamente reguladas pelas partes dos contratos de seguro, destacando-se, entre os doze itens específicos listados, os riscos cobertos e excluídos, o limite máximo de indenização da seguradora, os cenários de perda de direito à indenização e procedimento para renovação da apólice. Também é importante lembrar que as condições contratuais da apólice e das notas técnicas atuariais não precisam mais ser apresentadas à SUSEP.

Quanto ao seguro massivo (Circular SUSEP nº 621/2021), a SUSEP tem seguido a mesma abordagem de flexibilização ao extinguir produtos padronizados e proporcionar grande flexibilidade para que os agentes do mercado possam criar e combinar produtos de seguros gerais, desde que os participantes sigam os requisitos mínimos obrigatórios para as condições contratuais.

Essas alterações introduzidas pelo CNSP e pela SUSEP estão amparadas na proteção à liberdade de iniciativa e ao exercício das atividades econômicas, conforme previsto no art. 1º, inciso IV e no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal, que são compatíveis com os Papel do Estado como agente regulador e normativo, conforme previsto no artigo 174 da Constituição Federal.

A Lei de Liberdade Econômica também reforça os pilares básicos do capitalismo e entrega uma mensagem clara aos participantes do mercado e, particularmente, aos reguladores, determinando que as disposições de ordem pública devem ser interpretadas em favor da liberdade econômica, da boa fé e das condições contratuais estabelecidas por partes privadas , investimentos e propriedade privada (art. 1º, § 2º), bem como estabelecer o princípio da “intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas” (art. 2º, inciso III).

Nesse contexto, também como garantia da liberdade de iniciativa, a Lei de Liberdade Econômica estabelece em seu art. 4º outros parâmetros para prevenir abusos regulatórios por parte dos órgãos reguladores da federação, tais como “exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o resultado pretendido”, “aumentar os custos de transação sem demonstração dos benefícios daí resultantes”, e “elaborar regras que impeçam ou retardem a inovação e novas tecnologias, modelos de negócio ou de processo, salvo em situações consideradas de alto risco pela regulamentação aplicável”.

Por fim, a prevalência da autonomia individual sobre a interferência do Estado foi expressamente reforçada com a introdução, pela Lei de Liberdade Econômica, de um Parágrafo Único ao Artigo 421 do Código Civil, que dispõe que “nas relações contratuais privadas, os princípios do Estado mínimo a intervenção e a revisão contratual excepcional prevalecem” no contexto do princípio da função social do contrato.

Diante do exposto, parece que o CNSP e a SUSEP, como reguladores do sistema nacional de seguros privados, não poderiam se desviar da escolha política do Estado brasileiro de priorizar a inovação e amenizar as obrigações do contrato de seguro, dando liberdade aos atores de desenho novos produtos, combinam coberturas e transformam a experiência do cliente, que está acostumado a uma relação distanciada e à mentalidade de “montar e esquecer”.

Ao realizar a análise de proporcionalidade e razoabilidade necessária para o estabelecimento da abordagem liberal acima descrita, o CNSP e a SUSEP recorrem às variáveis macroeconômicas que indicam a pequena penetração e dispersão dos seguros no país e seu tímido papel em contribuir para o crescimento econômico vis-à-vis o que se vê em outros países em desenvolvimento.

A questão que eles levantam ou deveriam razoavelmente levantar seria: Devemos nós, órgãos reguladores, mantermos o status quo de décadas de ingerência do Estado, com base em decreto ditatorial que forjou o sistema nacional de seguros privados, ou, considerando os desenvolvimentos tecnológicos dos últimos anos e o atual influxo liberal em que vivemos, geram um ambiente de flexibilidade e autonomia monitorizada pelos jogadores, com estímulo direto à inovação e à captação de novos entrantes?

A resposta parece óbvia.

Fonte: Artigo extraído e traduzido da Chambers and Partners, de autoria do escritório Mattos Filho

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