Por Robson Luiz Schiestl Silveira*
Cada vez mais nos deparamos com negativas de indenização sob a alegação de agravamento de risco por excesso de velocidade nos seguros danos, em especial nos seguros de responsabilidade civil.
Pela relevância do tema, nos parece ser conveniente fazermos um exame mais cuidadoso deste cenário, sobretudo em razão do crescente número de decisões notadamente equivocadas do Poder Judiciário que reconhecem a validade destas negativas, as quais esvaziam a função e a finalidade do seguro de responsabilidade civil, à medida que interpretam que o excesso de velocidade viola as disposições legais e caracterizam agravamento intencional do risco.
Contudo, este entendimento viola as normas do Código Civil, uma vez que desconsidera a natureza jurídica do contrato de seguro de responsabilidade civil, pois pelo contrato de seguro o segurador assume riscos predeterminados para garantir o interesse legítimo do segurado, e no seguro de RC o risco de colisão decorrente de atos de negligência, imperícia ou imprudência do segurado, é um risco elementar desta modalidade contratual.
Apesar disso, em muitos casos se verifica a transformação de riscos cobertos (danos causados a terceiros por negligência, imperícia ou imprudência) em “agravamento intencional do risco”, provocando o esvaziamento do objeto da garantia contratual, pois se os segurados não incorrerem em erros, desrespeitando o conjunto de normas que disciplinam o trânsito ou o transportes de cargas por rodovias, não haveria risco a ser transferido para a seguradora, pois não aconteceriam os sinistros, que representam a ocorrência ou a materialização do risco.
É evidente que condutor de veículo automotor tem a obrigação de conhecer as leis de trânsito e tem o dever social de cumpri-las, estando sujeito a multas e penalidades toda vez que as transgredir. Contudo, o ato ilícito (culposo) do segurado não pode ser entendido como um ato de agravamento de risco no seguro de responsabilidade civil, pois os danos causados pela conduta negligente e imprudente do segurado, por desrespeito às normas de trânsito vigentes, são exatamente o risco coberto no seguro de responsabilidade civil, e não contrário.
Esta modalidade contratual surgiu e existe exatamente para dar amparo securitário à conduta humana culposa do segurado, a partir da obrigação legal que ele tem de indenizar quem sofreu perda ou dano por ele causado ou por pessoa ou coisa sob sua responsabilidade.
Portanto, o ato culposo do segurado não pode em nenhuma hipótese ser interpretado ou confundido com um ato de agravamento do risco e, muito menos, com um ato de agravamento intencional do risco, o qual exige a comprovação de que o segurado agiu por vontade própria para poder se beneficiar do valor da garantia.
O seguro de RC sempre esteve fundado nos atos ilícitos praticados pelo segurado e também por atos de pessoas pelas quais ele responde. Como se trata de um seguro patrimonial, o objetivo não é o ato ilícito em si, mas as consequências dele, em razão da obrigação reparatória que nasce da ocorrência de um ato de negligência, imperícia ou imprudência.
Por isso, o ato ilícito cometido pelo segurado, consistente na inobservância das normas de trânsito, é o risco coberto e assumido pela seguradora no seguro de RC e não um ato de agravamento intencional de risco, pois as apólices de seguro de RC, em todas as suas modalidades, sempre circunscreveram a cobertura do risco àquelas situações provenientes de ato ilícito culposo.
Esse é o objeto de garantia e o risco predeterminado assumido pela seguradora, o que demonstra, por si só, o equívoco destas decisões, pois sendo o ato ilícito um elemento da substância da garantia securitária, o fato de o veículo segurado estar trafegando em excesso de velocidade não significa que houve qualquer modificação nas condições do risco assumido pela seguradora.
Estas decisões desconsideram a noção elementar de que a culpa integra os seguros de responsabilidade civil, sendo o seu elemento essencial. Por isso, as mesmas invertem a lógica do seguro de responsabilidade civil, que existe justamente para cobrir os danos decorrentes de atos culposos do segurado.
A manutenção deste entendimento implicará na inviabilização e na própria extinção dos seguros de responsabilidade civil no mercado segurador brasileiro, pois não haverá mais risco a ser assumido pelas sociedades seguradoras, e não existe seguro sem risco, na medida em que não existe contrato sem causa. A falta de risco anula o contrato de seguro. Além disso, essa importante modalidade de cobertura securitária perderá completamente o seu sentido e deixará de ser interessante, o que é um cenário extremamente preocupante.
* Robson Luiz Schiestl Silveira é advogado, especialista em Direito de Seguros, sócio do escritório Robson Silveira Advogados e titular do Instituto de Direito de Seguros Robson Silveira (IDSRS)
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