PLC 29/2017 vs Reforma do Código Civil

Por Walter Polido*

Diante da aprovação do substitutivo do PLC 29/17 pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em 10 de abril, incluindo a Emeda n.º 11, uma nova onda de manifestações surgiu, a favor e contra o referido projeto.

A redação atual do substitutivo, que pode ir ao plenário do Senado para votação a qualquer momento, apresenta pontos controversos e que, certamente, podem distanciar o Brasil das melhores práticas internacionais, especialmente no tocante ao resseguro.

Desde a desmonopolização do resseguro, ocorrida através da Lei Complementar n.º 126/2007 e da regulamentação infralegal estabelecida, o mercado de seguros cresceu e caminhou sem nenhum tipo de sobressalto. Ao contrário disso, rapidamente se adaptou às novas práticas. O único ponto que poderia ser revisto, na atualidade, diz respeito à reserva de mercado aos resseguradores locais (40%), a qual foi estabelecida na ocasião, sem segredo algum, para que as ações do IRB não perdessem valor, especialmente em relação aos seus acionistas privados (bancos).

O recente processo de reforma do Código Civil, iniciado em setembro de 2023, por sua vez, acendeu a esperança em muitos profissionais do mercado de seguros nacional que o Capítulo XV – Seguros – poderia ser incluído nos trabalhos revisionistas. Através desse procedimento, ocorreria a equalização das discussões, aproveitando o diálogo das fontes, cujo padrão moveu os juristas encarregados do relevante trabalho. Tudo faz crer, todavia, que o PLC 29/17 atropelará essa possibilidade.

Diante desse quadro, este texto pretende apresentar algumas sugestões de alterações do referido Substitutivo ao PLC 29/17, de modo que o Brasil não sofra nenhum tipo de retrocesso. Utilizando a formatação de uma Emenda parlamentar, sugerimos o seguinte, justificando a indicação feita:

(…)

>> Suprimir o Capítulo XI – RESSEGURO do Título I – Disposições Gerais – Artigos 58 a 63;
>> Suprimir o Art. 73 ou dar-lhe nova redação;
>> Dar nova redação ao Parágrafo único do Art. 129 do Substitutivo do Projeto de Lei da Câmara n.º 29, de 2017, nos termos a seguir, renumerando-se os demais dispositivos:

TÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS – CAPÍTULO XI – RESSEGURO

Art. 58 a 63 (suprimir)

Art. 73 (suprimir) ou, alternativamente, dar nova redação:
“Art. 73. Cabem exclusivamente à seguradora a regulação e a liquidação do sinistro, podendo o ressegurador participar da regulação, conforme as bases previstas no contrato de resseguro.”

Parágrafo único do Artigo 129 (nova redação):
“Parágrafo único. A seguradora, a resseguradora e a retrocessionária, para as ações, mediações e arbitragens promovidas entre si, em que sejam discutidos conflitos que possam interferir diretamente na execução dos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, respondem no foro de seu domicílio no Brasil, salvo convenção em contrário prevista no contrato de resseguro.”

Justificação

Esta Emenda exclui os contratos de resseguro do âmbito do PLC n.º 29/17, não só para igualar o Brasil no tratamento usual encontrado nos ordenamentos internacionais, mas também para estabelecer a necessária separação legislativa entre os dois tipos contratuais: seguros e resseguro.

O resseguro, por sua vez, já se encontra devidamente regulado através da Lei Complementar n.º 126/2007, não requerendo qualquer tipo de suplementação. Eventual medida contrária a essa dinâmica, assim como está prescrita no texto original e no Substitutivo do PLC n.º 29/17, desequilibra a ordem já existente na justa medida e sem que tenha havido qualquer sobressalto prejudicial às partes, desde a quebra do monopólio do resseguro no Brasil em 2007.

O mercado de seguros nacional se desenvolveu desde então e em perfeita harmonia com os mercados internacionais, não podendo sofrer nenhum tipo de ruptura, o que seria completamente disfuncional.

O contrato de resseguro, embora seja celebrado no Brasil e para a garantia suplementar dos interesses brasileiros, tem estreita relação com os mercados internacionais, justamente para cumprir o papel da pulverização dos riscos e das responsabilidades, sem comprometer um único país, uma vez sobrevindo sinistros catastróficos ou mesmo diante da frequência de sinistros. Essa ordem é universalmente aceita e praticada pelos países livres e democráticos.

O resseguro, operado sob regras próprias em relação aos contratos de seguros diretos, tem como base fundamental a voluntariedade das partes celebrantes no que pertine à convenção das bases contratuais, ambas empresas profissionais do setor, não hipossuficientes e sabidamente paritárias.

Na doutrina especializada mundial, o resseguro tem como primeira fonte de Direito o próprio contrato, denominado por “contrato-lei”, justamente em razão das particularidades citadas. A intervenção desmedida e injustificável do Estado, notadamente na seara contratual e dos princípios fundamentais que regem o resseguro internacionalmente, desequilibra a harmonia existente, cuja sintonia extrapola o território nacional brasileiro.

O Brasil permaneceu apartado do mundo livre do resseguro de 1939 a 2007, cujo período não permitiu que as seguradoras se relacionassem diretamente com os resseguradores estrangeiros. O fechamento do mercado deixou de ampliar e de diversificar as bases contratuais, portanto, a oferta de capacidade de resseguro era única e igual para todas as seguradoras, cuja dinâmica não contribuiu para o aperfeiçoamento profissional do mercado de seguros local.

A igualdade de tratamento trouxe prejuízos aos consumidores de seguros. O Brasil ainda ressente desse distanciamento, sendo que o mercado de seguros ainda tem um largo espaço para se desenvolver, diversificando e ampliando o leque de produtos de seguros aos brasileiros, cujo patamar só é alcançado com o livre comércio do resseguro, sem apegos nacionalistas descabidos e anacrônicos no setor.

Países latinos como Colômbia e Chile já experimentam essa internacionalização da atividade do resseguro de forma muito mais plena, sendo que o Brasil chegou mais recentemente nesse cenário de liberdade, em 2007. Apesar da reserva que se impôs, quando da desmonopolização, aos resseguradores que se instalassem localmente (não consideraram que a nacionalização de capital estrangeiro restringiria a oferta de capacidade de resseguro) e de modo indisfarçável para proteger o IRB-Brasil Re, que foi mantido no mercado, a abertura foi um marco decisivo e positivo para o País.

Este ponto da reserva aos locais, inclusive, se o Brasil de fato pretender se inserir no mundo globalizado e de forma aberta, precisa ser revisitado através de projeto de lei complementar, com o escopo de suprimir essa patologia ideológica existente. Qualquer tipo de retrocesso, nessa prática internacional, pode recolocar o mercado de seguros brasileiro num estágio de subdesenvolvimento, retirando-o do concerto harmônico entre os outros mercados internacionais, cujo movimento, sem dúvida, tem um destinatário principal a ser prejudicado: os consumidores de seguros, pessoas naturais e também os empresários.

As normas que foram determinadas pela Lei Complementar n.º 126/2007, no tocante às operações de resseguro, repise-se, estão em conformidade com a prática internacional, sem qualquer necessidade de alteração. Não há o que se falar, inclusive, em “regramento complementar” e visando estabelecer medidas prudenciais no “período de transição” entre o monopólio do resseguro e a abertura, passados mais de 17 anos desde a promulgação da LC n.º 126/2007.

O mercado de seguros já se adaptou e sem qualquer sobressalto, repise-se. Ele só precisa continuar desimpedido de se expandir, deixando de ter amarras legislativas obsoletas, assim como algumas delas estão refletidas no PLC n.º 29/17.

Não são enfatizadas, nessa justificativa de alteração do PLC n.º 29/17, palavras de ordem como o possível desinteresse dos resseguradores internacionais no Brasil, dependendo do retrocesso da legislação vigente, na medida em que não se trata do motivo mais saliente.

Convém tão somente destacar o fato de que o Brasil precisa se manter alinhado aos mercados internacionais e de modo a extrair deles o que for melhor para os interesses brasileiros.

Segregação não alinha. Segregação não cria vantagens num setor de índole naturalmente internacional como é o de resseguro. O mercado de seguros brasileiro e não só os grandes riscos industriais e de infraestrutura precisam da capacidade ofertada pelos resseguradores internacionais, sem desconsiderar o fato de que eles assumem a maior parcela dos riscos.

Também os seguros massificados entram nessa dinâmica de interesses, de modo a equalizar os resultados financeiros das seguradoras, mantendo-as hígidas perante a massa mutualística. O mercado de resseguro livre propicia, ainda, “know-how transfer” para os brasileiros. O resseguro, por fim, não precisa estar presente numa lei especial que trata dos seguros. Com essa exposição de motivos, contamos com o apoio dos nobres Senadores para a aprovação dessa Emenda, a qual recoloca o resseguro no seu devido lugar.

* Walter Polido é diretor da Conhecer Seguros. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, advogado, técnico-especialista em seguros e resseguros, consultor da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros, também é árbitro em seguros e resseguros, parecerista, professor universitário e escritor.

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