A projeção de uma explosão nas ações judiciais envolvendo planos de saúde acende um alerta para todo o sistema de saúde suplementar no país. Um estudo recente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) aponta que o número de processos pode alcançar 1,2 milhão de novas demandas por ano até 2035, caso não haja mudanças estruturais. A estimativa se baseia no comportamento acelerado da judicialização nos últimos anos. Entre 2020 e 2024, o aumento foi de 112%, culminando em aproximadamente 300 mil processos somente em 2024.
O advogado Thayan Fernando Ferreira, especialista em direito da saúde e direito público, destaca que esse cenário é resultado de falhas profundas no funcionamento do setor. Segundo ele, a falta de clareza nas negativas de cobertura e a comunicação deficiente das operadoras abrem um espaço legal que empurra o consumidor para os tribunais. Ele ressalta que a Lei 9.656 de 1998 garante cobertura a procedimentos prescritos por médico quando clinicamente justificados e que a negativa sem fundamentação fere esse direito, o que inevitavelmente estimula a busca pela Justiça.
O estudo do IESS também considera que o avanço contínuo da judicialização tende a se manter na ausência de medidas estruturantes. A análise aponta a necessidade de aprimorar a capacitação dos profissionais que atuam nos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário, adotar mediação obrigatória e estimular decisões mais técnicas e fundamentadas por parte das operadoras. A falta de um modelo regulatório transparente e orientado por evidências reforça a ideia de que o consumidor continuará judicializando sempre que perceber que seu acesso ao tratamento foi prejudicado.
Ferreira, que também integra a Comissão de Direito Médico da OAB Minas Gerais e é diretor do escritório Ferreira Cruz Advogados, explica que a jurisprudência recente favorece majoritariamente os beneficiários. Estudos indicam que, em casos de negativa, o Judiciário decide a favor do paciente em mais de 80% a 90% das ações, especialmente quando envolvem terapias de alto custo ou procedimentos não previstos expressamente no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Para ele, esse é um sinal claro de que as operadoras precisam rever suas práticas.
Além das disputas judiciais, os custos associados à judicialização são elevados. Dados do IESS mostram que, entre 2019 e 2023, o setor gastou cerca de R$ 17,1 bilhões com processos. O advogado observa que muitos dos casos envolvem procedimentos simples, como exames laboratoriais, partos, cirurgias neurológicas e cardiológicas, além de tratamentos oncológicos. Ele alerta que, durante o trâmite judicial, pacientes podem morrer ou sofrer sequelas pela demora no acesso ao tratamento.
O advogado também chama atenção para distorções observadas em reajustes contratuais. Ele relata casos em que aumentos atingiram 100% no aniversário do plano, ultrapassando o permitido pela ANS. Para o advogado, a narrativa de que as operadoras negam apenas procedimentos fora do rol não corresponde à realidade e estima que esse tipo de negativa represente menos de 15% das ações.
Com o avanço contínuo das demandas judiciais, o especialista defende que se tornem urgentes mecanismos que garantam maior agilidade na prestação de serviços pelas operadoras. Ele reforça que negar cobertura não é apenas uma decisão financeira, mas um risco direto à vida dos beneficiários. Segundo o advogado, consumidores contratam planos de saúde para proteção preventiva e não para enfrentar barreiras que os exponham a agravamentos e disputas judiciais desnecessárias. Ele afirma que tanto as agências reguladoras quanto as operadoras precisam compreender essa realidade com mais seriedade.






