Entrevista com Walter Polido – Perigo de retrocesso no mercado de grandes riscos

Ele é conhecido por suas firmes posições – alguns até o consideram polêmico. O advogado e diretor da Conhecer Seguros, Walter Polido, concedeu entrevista exclusiva à Revista Seguro Total e comentou sobre o atual cenário do seguro de grandes riscos e a legislação. Ele elogiou a flexibilização regulatória promovida a partir do final de 2020 ante o engessamento do setor promovido pelo órgão estatal.

Mas criticou o PLC 29/2017 (estabelece diretrizes para a efetivação do Contrato de Seguros). “Este projeto traz elementos configuradores de completo retrocesso e com perspectiva de um momento que não contribuiu para o bem do mercado, para a transparência e a objetividade das condições contratuais dos diferentes tipos de seguros”, ressaltou. Polido é também consultor, parecista, professor, árbitro em seguros e resseguros e escritor.

Revista Seguro Total – Em sua opinião, quais são as perspectivas de avanço, até sob o ponto de vista regulatório, do mercado de seguros de grandes riscos para 2024?

Walter Polido – A flexibilização regulatória ocorrida desde o final de 2020 e no sentido de liberar as seguradoras para a confecção dos seus próprios produtos de seguros, em todos os ramos, sem qualquer viés de “padronização estatal” foi, sem dúvida, um dos maiores marcos históricos extremamente impactantes e cujos reflexos ainda não foram totalmente manifestados. Necessário destacar que sempre existiu no nosso mercado de seguros o direcionamento estatal nessa área, desde a criação do IRB, em 1939, cuja condução não produziu excelência em nenhum ramo de seguro. Qualquer retórica saudosista a este respeito, precisa sofrer uma análise cuidadosa, sendo que a sociedade, os valores, os interesses e o Direito evoluem, não comportando retrocessos.

ST – Neste cenário que o senhor desenhou há as consequências geradas pela ação monopolista do Estado?

WP – As condições contratuais, antes elaboradas e impostas pelo ressegurador monopolista (1939-2007) e depois pela Susep (2008-2020), congelaram a inteligência dos produtos, deixando de evoluir como aconteceu em outros mercados maduros,mesmo em países não desenvolvidos como o Brasil, assim como Colômbia e Chile, só para ficarmos na América Latina. Os consumidores de seguros brasileiros ainda não têm acesso ao melhor standard de produtos securitários encontrados nos mercados internacionais, mesmo as empresas multinacionais que operam no país, cujo cenário não é bom para nenhuma das partes envolvidas: segurados; seguradoras; corretores de seguros; resseguradores; reguladores de sinistros; advogados do setor.

ST – E sobre, efetivamente, o mercado de grandes riscos?

WP – No tocante aos “grandes riscos”, conforme a regulamentação feita pela Resolução CNSP nº 407/2021, o órgão regulador completou o círculo iniciado pela Circular Susep 22, de 30 de outubro de 1987 (que na ocasião acabou liberando o mercado para a confecção das tarifas até então únicas e também estatizadas) e a desmonopolização do resseguro ocorrida com a promulgação da Lei Complementar n.º 126/2007. Existia um gap nessa regulamentação, agora completada e que colocou o mercado de seguros brasileiro no século 21, ainda que tardiamente. Impressiona o fato de as prerrogativas das partes quanto ao estabelecimento, por livre pacto, das condições contratuais dos grandes riscos ainda não terem alcançado a proporção que se imaginou que aconteceria, tão logo as amarras deixassem de existir. As apólices de Riscos Operacionais, Riscos Nomeados, Responsabilidade Civil Geral, Lucros Cessantes e outras têm sido renovadas, desde o ano de 2021, quando entrou em vigor a liberdade concedida pela Resolução CNSP 407/21, nas mesmas bases de sempre, cujos clausulados são antiquados, obsoletos, desatualizados e complexos a ponto de sempre conflitarem quando os sinistros vultosos acontecem e, não raras vezes, são judicializados, qual um “custo-Brasil” do qual não se consegue desvencilhar completamente.

ST – O mercado tem agido de forma passiva quanto às consequências desta resolução?

WP – Sim. Causa perplexidade o fato de os segurados aceitarem esta situação passivamente, assim como os corretores de seguros, principalmente as grandes empresas internacionais que conhecem a realidade de outros mercados. São conhecidas as dificuldades burocráticas encontradas na internalização de indenizações de sinistros através das apólices master mundiais, justamente quando elas entram no jogo para proverem as empresas locais em face das deficiências das suas apólices primárias, contratadas em bases rudimentares e desatualizadas no Brasil. Para as grandes empresas brasileiras multinacionais, a situação é ainda mais alarmante e complexa, uma vez que as apólices master brasileiras são, invariavelmente, inferiores em termos de textos de coberturas, em face das apólices primárias contratadas pelas subsidiárias no exterior. Não bastasse a demora na tomada de posição contra os modelos ultrapassados de textos de coberturas dos grandes riscos, outros elementos convergem para piorar o cenário: a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 7.074 visando à revogação da Resolução CNSP 407/21 e o PLC 29/2017, que também traz elementos configuradores de completo retrocesso e com perspectiva de um momento que não contribuiu para o bem do mercado, para a transparência e a objetividade das condições contratuais dos diferentes tipos de seguros.

ST – Há um alerta a ser feito quanto aos efeitos do PLC 29/2017…

WP – Todas as mazelas conhecidas em razão dos modelos padronizados de textos de coberturas foram construídas e produzidas durante a condução firme do Estado na elaboração dos clausulados (1939-2020). Este fato deve ser alardeado, com destaque, pois a realidade repousa justamente neste ponto. A narrativa a respeito da pretensa proteção dos consumidores através do PLC 29/17 é equivocada neste aspecto, sendo acolhida apenas por quem não conhece o mercado de seguros nacional, a sua história e as suas reais necessidades de melhorias em prol dos segurados. Jamais a condução estatal em área que sequer é de sua competência interferir promoverá desenvolvimento, se comparada à liberdade de atuação, assim como acontece nos maiores mercados de seguros do mundo. Qualquer retrocesso no tocante à flexibilização das condições contratuais de seguros, promovida pela Susep, deve ser combatido, veementemente.

ST – Ha uma informação de bastidores de que em 24 de agosto último foi constituída no Senado a Comissão de Juristas que irá analisar e propor o anteprojeto para a Reforma da Lei 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Nesse caso, o capítulo XV do Contrato de Seguro poderia ser incluído na Comissão, o que tornará sem efeito a tramitação do PLC 29/17. Se for efetivada essa sequência de acontecimentos, quais seriam os resultados práticos para este mercado?

WP – Desconheço se há confirmação oficial a respeito da possibilidade de a Comissão de Juristas do Senado, que estuda a reforma do Código Civil de 2002, incluir também o Capítulo XV – Do Seguro. Se de fato isso acontecer, o PLC 29/17 perderia, em princípio, a sua razão de ser, até porque não teria sentido prático e lógico o Congresso Nacional discutir o mesmo tema sobre a perspectiva de dois instrumentos legais diferentes. Se acontecer, também seria difícil antecipar possíveis resultados, mesmo porque a matéria “seguros”, lamentavelmente, ainda não tem destaque político e sequer apelo social. Diante dos diferentes pontos negativos que o PLC 29/17 original ainda traz no seu texto, imaginar que a Comissão de Juristas poderá simplesmente ignorar todos eles, rediscutindo o tema de forma muito mais ampla, traz um alento, mas não há como antever o possível resultado prático disso.

ST – Nesse caso, em sua análise, qual seria o melhor cenário?

WP – Efetivamente, o melhor cenário seria, em minha opinião, o PLC 29/17 não seguir e ser novamente “engavetado”, tampouco a Comissão de Reforma do Código Civil analisar o Capítulo XV, deixando o texto atual como se encontra. O ordenamento vigente está de bom tamanho para a continuidade das operações de seguros privados no país. A judicialização acentuada dos contratos de seguros no Brasil não se dá por deficiências do ordenamento jurídico e sim pela inconsistência das condições contratuais das apólices, assim como pela falta de subscrição técnica adequada. O mercado de seguros precisa, verdadeiramente, utilizar as prerrogativas da flexibilização regulatória no tocante à atualização das condições contratuais dos diferentes tipos de seguros. Essa medida, se for tomada efetivamente, deve ser empreendida de maneira incontestável e urgente, apresenta maior possibilidade de renovação e de desenvolvimento do mercado de seguros nacional em prol dos interesses dos segurados, do que uma nova lei de seguros.

Fonte: Revista Seguro Total

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