É com perplexidade e surpresa que nosso mercado inicia sua adaptação à audaz e corajosa abertura proporcionada pela Susep
Por Paulo Leão de Moura*
Essa abertura começou em março de 2020, com a impactante Resolução 382, seguida com as resoluções 407 e 621. Normatizam os riscos massificáveis e grandes riscos, mas, sobretudo, a introdução da liberdade para negociação ampla entre as partes que compõem o nosso mercado. Tudo isso, apesar da pandemia de Covid-19 se desenvolvendo desenfreadamente e ceifando mais de 470 mil brasileiros.
A perplexidade assumiu diversos posicionamentos. As seguradoras, normalmente, conservadoras se colocam, em tese, na posição de examinar o que será colocado e concedido.
Os corretores, a maioria ainda, preocupados com a própria sobrevivência ante a Resolução 382: alguns mais atentos para as consequências das resoluções propriamente ditas, outros ignorando o impacto da abertura em suas atividades, sonhando com “insurtech’s” ou, simplesmente, satisfeitos em tornarem-se “agentes” produtores das seguradoras.
Outros visualizaram as oportunidades extraordinárias para as suas atividades com a introdução de inúmeros serviços de grande demanda voltados ao gerenciamento de riscos e a real liberdade para criar e administrar tecnicamente programas de seguros que, de fato, sejam necessários aos seus clientes.
Por outro lado, inúmeras atividades, relacionadas direta ou indiretamente ao seguro, analisaram as resoluções da abertura e, ansiosos, passaram a se interessar com mais seriedade à atividade de risco e seguro.
Aqui, incluímos escritórios de advocacia, escritórios de contabilidade e auditoria, escritórios de especialidades diversas como inspeção de risco, regulação de sinistros e as instituições de ensino de seguro, entre as quais importantes universidades como a Fundação de Getúlio Vargas (FGV) e as mais específicas, como a Conhecer Seguros.
Esse interesse, mesclado com as questões de ESG e ERM, estão voltados às questões de governança, compliance e sustentabilidade empresariais. Em um mundo conturbado e em nosso país vivendo um período de enorme crise que se mantém há muito tempo e se manterá por muitos anos ainda, essas questões são prioritárias, evidentemente. No entanto, nada tem a ver diretamente com a abertura do mercado de seguros.
Percebemos, porém, que essa efervescência diante da possibilidade do incremento de negócios ante a novidade, a criação de certa confusão nas posturas com o embaralhamento das ofertas de consultoria e de prestação de serviços.
Se analisarmos as resoluções da Susep e da CNSP, constatamos uma lógica sequência às determinantes da Lei 13.874 de 20.09.2019, que institui a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, garantindo um livre mercado.
Quer me parecer, que as resoluções relativas à abertura do mercado e as futuras resoluções – que certamente virão – pretendem colocar o mercado de seguros brasileiro no contexto mundial, de proporcionar os meios para que possa atuar no modelo global e livre e induzir a participação de todos nesse novo modelo.
Nem sempre, as resoluções são claras e objetivas. Algumas são sujeitas a interpretações diversas, como a Resolução 382. Outras não determinam, porém, inferem o comportamento desejado. É importante reconhecer, no entanto, que a abertura se baseia em certos princípios gerais que não exigem interpretações, a saber:
I. Liberdade ampla para a negociação;
II. Boa-fé;
III. Transparência e objetividade de informações;
IV. Tratamento paritário;
V. Estímulo às soluções alternativas e criativas;
VI. Interesse estatal mínimo;
VII. O seguro exige análise de risco.
Nesse contexto, considerando que seguro é o principal instrumento de financiamento e transferência de risco e exige uma análise prévia para que seja colocado, fica claro e cristalino o que induz a Susep.
Aos corretores profissionais de seguro, mais compatíveis com os grandes riscos, sua vocação natural é tornarem-se consultores e prestadores de serviços de Gerência de Riscos Básicos e de Colocação e Administração dos Programas de Seguros. A análise da GRB é parte integrante dos serviços de apresentação de informações ao “underwriting” dos seguradores.
Às seguradoras, compete a negociação transparente das cláusulas e condições de aceitação e transparência dos riscos, e do preço acordado por essa aceitação acordada entre as partes e, sobretudo, a regulação dos sinistros eventuais.
Assim, não vejo qualquer convergência entre as importantes questões de ESG e ERM tratados por escritórios de advocacia e de auditoria, e as questões de tratativas de riscos seguráveis.
Corretores de seguros voltados às questões de riscos puros e seguros, não podem – e nem devem – atuar em questões de ESG e ERM, exceto quando solicitados a colocar seguros complexos ou para riscos catastróficos, que exigem colocações e condições especiais para meio-ambiente e para a colocação de excedentes de cobertura. Nesses casos, os corretores profissionais podem e devem atuar.
Tenho grande admiração e respeito pelo conhecimento de alguns escritórios de advocacia e auditoria e, também, reconheço que levam a sério as suas consultorias em seguros.
Seguro, no entanto, e há muito tempo, deixou de ser um fim em si mesmo para constituir-se em instrumento ou meio de tratativa de risco. A abertura proposta pela Susep representa exatamente isso. O ponto principal tem a ver com o risco.
De fato, após criteriosa e profunda análise de risco, determina-se sua tratativa, se deve ou não ser transferido ao seguro a ser negociado. Na negociação, aí sim, entra a importante expertise da advocacia especializada para a elaboração do texto da cláusula e condição adequada ao cliente.
Da mesma forma, entra a expertise do engenheiro, gerenciador de risco, na elaboração dos relatórios para a GRB. Aqui se cuida e trata, tão somente, de riscos puros ou passíveis de transferência ao seguro.
* Paulo Leão de Moura é chairman da THB Brasil, com formação em História e Sociologia, pela Universidade de Boston, e mais de 60 anos de experiência no mercado de seguros.
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