
Por Sidney Dias*
O cooperativismo de seguros acaba de entrar em uma nova fase no Brasil. Com a sanção da Lei Complementar nº 213/2025, as cooperativas de seguros passam a integrar formalmente o Sistema Nacional de Seguros Privados, ganhando respaldo legal para atuar em diversos ramos do mercado segurador — e não apenas nos segmentos restritos como agrícola, saúde ou acidentes de trabalho, como previa até então o Decreto-Lei nº 73/1966.
Esse novo marco representa mais do que uma abertura normativa: ele favorece a concorrência, fortalece modelos baseados no mutualismo e abre caminho para uma atuação mais inclusiva e sustentável, com foco na proteção por seguros de públicos que não têm acesso aos produtos ofertados pelas seguradoras tradicionais.
Foi nesse contexto que, no dia 5 de junho de 2025, a Confseg, em parceria com o escritório Costa, Albino & Rocha Advogados (CAR), promoveu em São Paulo o Seminário Nacional sobre Cooperativismo de Seguros. O evento reuniu autoridades, especialistas e representantes do setor para debater os impactos da nova lei e as estratégias necessárias para transformar esse potencial em realidade.
Durante o seminário, no painel “Materializando as Cooperativas de Seguros”, foi apresentado um roteiro prático com 12 passos essenciais para estruturar uma cooperativa de seguros bem-sucedida — sólida, transparente e centrada no cooperado. Com a regulamentação finalmente assegurada pela LC 213/2025, o desafio agora se desloca da conquista legal para a implementação efetiva dessas cooperativas.
1. Governança corporativa clara
Definir a estrutura de governança corporativa, com atribuição clara de papéis e responsabilidades aos órgãos sociais (assembleias, conselhos e diretoria executiva), é o ponto de partida. Essa definição deve estar alinhada à legislação, às boas práticas do setor e à visão coletiva dos cooperados, refletindo-se no estatuto social da entidade. Regimentos internos e políticas formuladas durante a constituição da cooperativa ajudam a formalizar processos e evitam sobreposições e lacunas funcionais.
2. Plano de negócios estruturado
Uma cooperativa viável nasce de um plano de negócios consistente. Ele deve contemplar análise de mercado, definição da estratégia de atuação, projeções de receitas e despesas, estimativa de capital necessário e aderência aos requisitos regulatórios da Susep. As projeções financeiras devem abranger, no mínimo, um horizonte de três anos.
3. Planejamento do capital ao longo do tempo
No setor de seguros, capital inicial, provisões técnicas e reservas são componentes essenciais. Entre as provisões, destacam-se a Provisão de Prêmios Não Ganhos (PPNG) e a Provisão de Sinistros a Liquidar (PSL).
Em uma cooperativa, os próprios cooperados são a principal fonte de recursos. A necessidade de capital deve ser avaliada ao longo do tempo, considerando tanto os requisitos regulatórios quanto as demandas operacionais — como despesas correntes, capital de giro e demais obrigações.
Vale considerar o acesso dos cooperados — e da própria cooperativa — a linhas de crédito específicas, o que pode ser decisivo para a sustentabilidade do modelo.
4. Capacitação contínua de conselheiros e gestores
A boa governança depende de lideranças bem preparadas. Em cooperativas, os dirigentes — especialmente os conselheiros — são escolhidos entre os próprios cooperados. Por isso, é fundamental que haja programas permanentes de capacitação técnica e atualização regulatória, garantindo que esses líderes estejam aptos a desempenhar suas funções com competência e alinhamento estratégico.
5. Produtos centrados no cooperado
Uma grande vantagem das cooperativas é o conhecimento profundo que têm de seus associados. Isso permite o desenvolvimento de produtos de seguros acessíveis, personalizados e adequados à realidade dos cooperados.
Esses produtos devem ser fundamentados em estudos atuariais e compor um conjunto claro de condições (gerais, especiais e particulares), garantindo uma precificação tecnicamente adequada e legalmente compatível, com equilíbrio entre proteção e viabilidade econômica.
6. Estrutura administrativa bem definida
Como parte do processo de estruturação, é essencial definir claramente as áreas administrativas e suas respectivas responsabilidades. A organização interna deve promover agilidade, responsabilidade e transparência, prevenindo tanto conflitos entre áreas quanto lacunas funcionais.
7. Definição dos processos-chave
Os processos de negócio devem ser bem definidos, documentados e continuamente monitorados. Isso assegura eficiência operacional e qualidade na experiência do cooperado.
É prioritário estruturar os processos-chave, que incluem o relacionamento com os cooperados e o ciclo completo das operações de seguros — desde a cotação e contratação até a renovação, passando pela regulação e liquidação de sinistros.
8. Gestão de riscos, controles internos e conformidade
A adoção de políticas formais de gestão de riscos, compliance e controles internos é essencial, tanto para atender às normas regulatórias quanto para garantir a perenidade da cooperativa.
A ética deve ser um valor estruturante, refletido em toda a cultura organizacional.
9. Sistemas de informação adequados
A tecnologia é um pilar estratégico para o funcionamento e crescimento das cooperativas. Sistemas integrados devem possibilitar uma gestão eficaz, atender aos requisitos regulatórios, garantir a segurança dos dados (em conformidade com a LGPD) e permitir escalabilidade conforme a operação se expande.
10. Parcerias estratégicas sólidas
Cooperativas devem estabelecer parcerias estratégicas — com cooperados, fornecedores e entidades do setor. O resseguro, por exemplo, é essencial para proteção da carteira e para fomentar inovação e intercâmbio de conhecimento.
Além disso, o suporte técnico e institucional fortalece a estrutura da cooperativa, desde que preservada sua autonomia.
11. Plano de ação detalhado
O plano de negócios deve ser acompanhado por um plano de ação bem estruturado, com implantação em etapas. É preciso definir metas, prazos, recursos, indicadores e responsáveis por cada frente de atuação.
É fundamental que esse plano seja realista e flexível, permitindo ajustes conforme o processo de implementação avança.
12. Intercooperação para ganhar força coletiva
A intercooperação entre cooperativas singulares, centrais e confederações é um diferencial do modelo cooperativista. Ela permite ganhos de escala, compartilhamento de recursos e fortalecimento institucional.
Materializar uma cooperativa de forma isolada pode ser desafiador; com apoio e colaboração de outras, a jornada se torna mais viável e eficiente.
A LC 213/2025 não apenas regulamenta: ela inaugura uma nova oportunidade de organizar o mercado de seguros de forma mais justa, acessível e alinhada às realidades locais. Agora, cabe aos agentes do setor — técnicos, gestores, reguladores e cooperados — transformar esse marco legal em movimento concreto.
*Sidney Dias é diretor e sócio da Conhecer Seguros
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