Por Luciana Camponez Pereira Moralles*
Em 27 de junho, foi publicada a nova Circular Susep nº 666/2022, a qual tem como objetivo induzir o setor de seguros a absorver em sua matriz o risco de sustentabilidade, em especial o impacto das mudanças climáticas.
Assim, a nova Circular estabelece os requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e resseguradores locais, bem como regula detalhadamente os conceitos de risco, gestão, forma para mensuração deste e incorporação de perdas decorrentes dos mesmos no setor em que operam.
Tal norma regulatória já era esperada pelo setor face a conscientização de que questões climáticas são também riscos financeiros e afetam diretamente os resultados das empresas no longo prazo. Logo, é indispensável a incorporação desses fatores na gestão das empresas seguradoras.
Verifica-se que no artigo 2º, da referida circular, há a conceituação de riscos climáticos sob os aspectos físicos, de transição e de litígios, o que sem sombra de dúvidas é uma evolução regulatória importante, no sentido de definir conceitos tão complexos e em desenvolvimento.
Aproveitamos para transcrevê-los face a importância na estrutura da nova Circular:
i) riscos climáticos físicos: possibilidade de ocorrência de perdas ocasionadas por eventos associados a intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos;
(ii) riscos climáticos de transição: possibilidade de ocorrência de perdas ocasionadas por eventos associados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada e os mecanismos naturais de captura desses gases são preservados; e
(iii) riscos climáticos de litígio: possibilidade de perdas ocasionadas por sinistros em seguros de responsabilidade ou ações diretas contra a supervisionada, ambos em função de falhas na gestão de riscos climáticos físicos ou de transição.
Adicionalmente, conceituam-se os riscos ambientais e sociais, tais como:
>> Ambientais – a possibilidade de ocorrência de perdas ocasionadas por eventos associados à degradação do meio ambiente, incluindo o uso excessivo de recursos naturais;
>> Sociais – a possibilidade de ocorrência de perdas ocasionadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos ao interesse comum.
Desta forma, qualquer evento que tenha potencial de impactar as operações, afetar a demanda por seus produtos ou serviços, ou ainda, resultar em variações desfavoráveis no valor de seus ativos ou passivos, serão considerados como riscos de sustentabilidade e deverão ser considerados pelas seguradoras no momento da contratação dos seguros.
Citemos, como exemplo, uma seguradora que atua no setor de bebidas, cuja operação esteja localizada em uma área com risco de escassez hídrica decorrente das mudanças climáticas ou, ainda, empresas em que as operações dependem da cadeia de fornecedores, cuja produção agropecuária esteja localizada em áreas de desmatamento.
Da leitura da referida Circular, evidencia-se a incorporação das mudanças climáticas na regulação do setor de seguros, bem como da importância da exposição ao risco da empresa contratante do seguro, da natureza e complexidades da operação para as seguradoras.
Assim, será indispensável que a área de sustentabilidade das empresas esteja inserida, de fato, junto aos tomadores de decisão corporativos para que a materialidade dos riscos seja identificada, avaliada, classificada, mitigada e efetivamente gerida no tocante às suas atividades, operações, produtos, serviços, clientes, fornecedores e prestadores de serviços, vez que essas questões estarão incorporadas no valor do prêmio do seguro a ser contratado.
As seguradoras deverão estar atentas à gestão de riscos incidentes em setores econômicos, regiões geográficas, produtos ou serviços cuja vulnerabilidade a questões de riscos ambientais, de sustentabilidade e até violação aos direitos humanos estejam mais presentes e evidentes, vez que esses riscos serão comunicados através de seus relatórios de sustentabilidade e sua matriz de materialidade.
Outro ponto de destaque da Circular é a importância dada à implementação de políticas de sustentabilidade e relatórios de sustentabilidade, artigo 8º e seguintes, no qual estabelece princípios e diretrizes destinados a garantir que aspectos de sustentabilidade, incluindo riscos e oportunidades, sejam considerados na condução de seus negócios e no seu relacionamento com partes interessadas.
A obrigatoriedade da implementação de tais normas regulatórias e ambientais para o setor de seguros no Brasil será gradativo e levará em conta o porte de seguradora supervisionada pela Susep, iniciando-se em dezembro de 2022 (Resolução CNSP nº 388/2020).
Desta forma, a publicação da Circular nº 666/2022 representa um marco regulatório ao setor de seguros no Brasil, estando em linha com a tendência mundial de incorporar os riscos climáticos nas análises financeiras dos portfólios das empresas.
Confirma, desta forma, uma mudança de paradigma na edição da referida Circular, vez que se busca atribuir critérios para minimizar, prevenir e quantificar riscos de sustentabilidade, o que, para aqueles que já estão nesta jornada há muito tempo compreendem que o desafio é imenso, porém inevitável para a sociedade.
A questão que deve ser respondida é: qual é o impacto das mudanças climáticas para o seu negócio e qual o impacto do seu negócio para as mudanças climáticas?
Desta forma, será exigido ao mercado de seguros que estes divulguem os seus planos progressivos relacionados às estratégias de transição para a questão climática e de sustentabilidade, através de padrões de relatos que permitam a comparabilidade entre as práticas de gestão empresarial voltadas para a sustentabilidade.
Assim, o cenário é desafiador e impactará a contratação de seguro para toda a cadeia de valor de diversos setores econômicos, exigindo que as empresas que buscam o seguro integrem o eixo de sustentabilidade em sua gestão, tomada de decisão da gestão da empresa e na escolha de sua cadeia de valor. Caso contrário, o valor da apólice de seguro será impactado negativamente.
O teor completo da Circular pode ser acessado aqui.
* Luciana Camponez Pereira Moralles é head da área Ambiental e de Sustentabilidade do escritório de advocacia Finocchio & Ustra.
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