Por Gustavo Brito*
Existem transformações que são disruptivas, mudando completamente as regras do jogo e levando negócios a dar saltos de competitividade (e outros a desaparecer). Essas são raras. E existem transformações que são “correções de rota” de transformações anteriores, acelerando o desenvolvimento tecnológico sem, necessariamente, tornar obsoleto tudo o que veio antes.
Em todo o mundo, diversos setores industriais estão vivendo esse último tipo de transformação. É o que vem sendo chamado de Indústria 5.0 e que traz a ideia de que se trata de uma quinta Revolução Industrial. Lamento dizer, mas não é. Só que isso não a torna menos necessária, e nem menos importante para que os mais variados setores da economia continuem sendo relevantes.
Recapitulando rapidamente mais de 200 anos de revoluções na indústria:
>> Indústria 1.0 (ou Primeira Revolução Industrial): mecanização, uso de energia hídrica e de energia a vapor;
>> Indústria 2.0 (Segunda Revolução Industrial): produção em massa, criação das linhas de montagem, uso da eletricidade;
>> Indústria 3.0: computação e automação;
>> Indústria 4.0: adoção de sistemas ciberfísicos.
A chamada Indústria 5.0 é um movimento que surgiu no Japão em 2017 para corrigir decisões que não foram tomadas de forma assertiva na Indústria 4.0. Isso porque a Indústria 4.0 teve como foco trazer uma melhoria para os negócios de base industrial, aumentando o retorno para os acionistas em um cenário no qual o mundo ocidental se via ameaçado pelas indústrias chinesas.
Na Indústria 4.0, tecnologias como IoT, computação em nuvem e manufatura aditiva são desejáveis, mas não se tornaram o paradigma dos negócios – ao contrário do que aconteceu nas revoluções anteriores. E principalmente, faltou colocar as pessoas no centro. Por isso, em minha opinião, a Indústria 5.0 está mais para “4.0.1”: uma atualização da Indústria 4.0, com foco na interação tecnologia + pessoas, e aperfeiçoamentos para trazer mais performance e gerar resultados efetivos para os negócios.
A Indústria 4.0 procurou responder a um desafio muito claro: como criar vantagem competitiva.
No setor industrial, por mais bem definidas que sejam as estratégias das organizações, o que sustenta o modelo de negócios é uma máxima eficiência na transformação de matérias-primas em produtos. Hoje, isso se faz não apenas com as ferramentas da Indústria 4.0, mas também (e principalmente) com um novo componente: a Inteligência Artificial (IA).
É por meio da IA que as empresas podem sair do estágio de identificar um problema para prever que ele irá acontecer em algum momento (e atuar antecipadamente para evitar paralisações e perda de performance), por exemplo. Na Indústria 5.0, a Inteligência Artificial é o grande impulsionador dos ganhos de eficiência, confiabilidade e flexibilidade operacional.
A chave para gerar esses ganhos é melhorar a qualidade e impacto das decisões operacionais. Reduzir a latência entre a ocorrência de um evento no ambiente produtivo, e o tempo decorrido da análise desse evento, entendimento do evento, decisão e impacto da decisão, é o que determina a agilidade e eficiência dos negócios. Com base em dados, monitoramento em tempo real e uso massivo de IA para suportar as operações, é possível reduzir essa latência e gerar organizações industriais mais responsivas, resultando performance melhor e como consequência, vantagem competitiva.
Hora da transformação digital
Para que a transformação digital aconteça no setor industrial, as empresas precisam realizá-la envolvendo as principais lideranças. Mais do que a incorporação de novas tecnologias, trata-se de uma transformação da cultura organizacional suportada por tecnologias emergentes. É um processo que não acontece do dia para a noite e que, na realidade, é a convergência de várias iniciativas que acontecem em diferentes níveis:
>> Digitização: iniciativas que informatizam processos manuais;
>> Digitalização: iniciativas que melhoram processos de negócios a partir do uso de tecnologias digitais.
Em negócios digitalizados é possível realizar a verdadeira transformação digital: o uso de tecnologias emergentes para criar sistemas de negócios, modelos de negócios e experiências para colaboradores e consumidores.
Ninguém faz a transformação digital de uma empresa de uma vez. É preciso percorrer primeiro a digitização de rotinas operacionais, digitalizar as estruturas e processos e, somente então, realizar a transformação digital. Para isso, é preciso tempo, disposição e uma visão de longo prazo – o que torna ainda mais importante começar o mais rápido possível.
Encurtar o ciclo digitização/ digitalização/ transformação digital também é essencial, pois aumenta a competitividade das empresas. Para isso, é necessário direcionar os investimentos para as iniciativas que geram resultados – e isso tem origem no uso de dados de forma intensiva e estratégica.
A questão é que, na indústria, muitos dados estão disponíveis em fontes distintas, de forma desintegrada. E se conseguirmos passar por essa jornada de dados, obteremos sucesso para atingir os objetivos de negócios, a partir dos recursos da Indústria 4.0, potencializados pela Inteligência Artificial.
Pelo fim dos vieses
Outra forma de enxergar a evolução da indústria na transformação digital é confrontar a organização orientada por vieses com a organização data-driven. A organização que toma decisões baseadas em percepções e vieses utiliza um método que vem se tornando obsoleto – mesmo quando têm dados à disposição. Como essas decisões afetam os indicadores operacionais do negócio, é preciso tomar decisões com base em dados fidedignos, sem viés, para entregar as melhores soluções e experiências para seus clientes.
Aqui está outro ganho enorme trazido pelas tecnologias emergentes que fazem parte do movimento Indústria 5.0 (IA, IoTs e outras): é cada vez mais comum que os dados existam e estejam disponíveis, mas sem qualidade. Sempre que existe uma lacuna de dados, as tecnologias emergentes podem ajudar as empresas a encontrarem as melhores respostas. E com a IA cada vez mais acessível e disponível, faz muito sentido automatizar ao máximo as operações e abraçar o uso de tecnologia.
Em um de nossos clientes, a avaliação das informações de estoque por meio de visão computacional fez com que a atualização do inventário caísse de 24 horas para 60 minutos, com uma assertividade que subiu de 90% para 98%. Especialmente em ambientes hostis ao ser humano, o uso de aplicações de Internet das Coisas (IoT), drones, imagem computacional e sistemas preditivos usando Inteligência Artificial traz uma enorme precisão na coleta e análise de dados.
Não se trata de uma transformação disruptiva como foi a máquina a vapor no século XVIII. Trata-se, isso sim, de uma evolução que gera ainda mais competitividade para negócios já desenvolvidos, tecnologicamente avançados e que buscam um novo salto.
Na nossa visão, a tecnologia vem se tornando uma base obrigatória para o sucesso da indústria em um mundo cada vez mais conectado. Cabe a cada negócio identificar, dentro das tecnologias emergentes disponíveis, quais ajudam no processo de exploração de todo o valor dos dados.
Pois são os dados que, quando organizados e estruturados, permitem o uso de modelos de IA baseados em estatística, que eliminam os vieses. Mas por que, então, vemos ainda muitos desafios para a transformação digital dos negócios?
3 fatores para o sucesso da transformação digital na indústria
Estima-se que, atualmente, cerca de 70% das iniciativas de transformação digital dos negócios fiquem pelo caminho, sem alcançar os resultados esperados. Essa trágica estatística decorre de 3 grandes fatores:
>> Falta de pessoas no centro: as metodologias e processos precisam ser desenhados para colocar as pessoas no centro das transformações. As mudanças acontecem a partir das pessoas (seus colaboradores), para beneficiar outras pessoas (seus clientes, mesmo internos). Por isso, quem não considerar as diferentes perspectivas das pessoas de dentro e fora da organização nessa trajetória de evolução acabará fracassando.
>> Sustentabilidade: os investimentos em tecnologia precisam levar em conta os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, mas a maioria dos CFOs não considera essa agenda prioritária na decisão dos investimentos. Mas é possível investir em sustentabilidade e trazer retorno financeiro para o acionista – como no caso de uma grande mineradora, que, usando IA, reduziu os vazamentos em rejeitodutos e minerodutos, subindo o ponteiro de eficiência operacional.
>> Resiliência: resiliência é a capacidade de reação às ameaças e mudanças, seja por meio da adaptabilidade ou pelo combate aos ataques. A resiliência é o que permite a continuidade das operações mesmo em caso de ataques cibernéticos à infraestrutura dos negócios. Empresas resilientes conseguem acelerar sua transformação, pois estão em contínua adaptação e modernização de seus sistemas.
A partir desses 3 pilares da transformação digital, a Indústria 5.0 passa a ter condições de ganhar competitividade, ser mais eficiente em suas operações e entregar mais valor aos acionistas. O uso de tecnologia, nesse sentido, vem a reboque dos pilares, o que mostra que as empresas vivem uma evolução do movimento Indústria 4.0.
A grande pergunta é: como sua empresa tem se movimentado nesse ambiente de transformação digital? Está aumentando competitividade ou está, perigosamente, ficando para trás?
* Gustavo Brito é diretor global da IHM Stefanini, empresa do Grupo Stefanini especializada em consultoria e inovação para a transformação digital industrial.
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