Por Jaqueline Wichineski dos Santos*
Em tempos de catástrofes ambientais, a exemplo da enchente jamais vivenciada pelo Estado do RS, as perdas são gigantescas, a incerteza da continuidade do negócio, a expectativa da cobertura do seguro, a mantença do emprego, as dívidas, a reconstrução do que as águas levaram, sonhos desfeitos e, o pior de tudo, vidas perdidas.
É um cenário de guerra, em que estamos na batalha. Cidades devastadas, pessoas sensibilizadas e abaladas psicologicamente por presenciar tanta destruição, e muita comoção. A sociedade civil se organizou dando exemplo ao Estado de como gerir crises. Outros Estados do Brasil e países uniram esforços nos resgates, em fazer chegar comida, mantimentos, água a mais de 80 mil pessoas desabrigadas.
A tragédia a qual estamos passando já anunciada há tempos através de estudos e pesquisas por geólogos e biólogos sobre as mudanças climáticas, a falta de prevenção e manutenção, o aumento desenfreado de construções, desmatamento, poluição, contribuem para o desequilíbrio do meio ambiente.
Sobre as mudanças climáticas, a pesquisadora e gestora ambiental Stefania Hoff, em análise a série histórica de 1972 a 2015, identificou 132 eventos climáticos no litoral médio do RGS que causaram efeitos desastrosos, e vem aumentado com frequência nas últimas décadas, assim como o número de municípios atingidos. E, o RS está localizado em uma região favorável a condições de tempo severo a características de sua geomorfologia e circulação atmosférica. E, alerta que, o desastre, mesmo quando considerado “natural”, só ocorre se houver uma vulnerabilidade.
A partir desta catástrofe, os Vales, o Planalto e a Encosta da Serra superaram a marca dos 300 mm em apenas uma semana. Em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, os pluviômetros marcaram impressionantes 543,4 mm. Na capital Porto Alegre, em apenas três dias, foram acumulados 258,6 mm, equivalente a mais de dois meses de precipitação.
Dentre as inúmeras preocupações importantes, estão o agronegócio, perdas ainda incalculáveis, porque o Estado do RGS é produtor e exportador, e representa 40% do PIB que foi de R$ 640 bilhões em 2023, em destaque, o cultivo de arroz, trigo, milho, fruticultura, tabaco, frango, leite, carnes bovina e suína.
Segundo projeções da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), perdas expressivas de cultivo, produção, escassez, na mesa do consumidor, e preços elevados, por exemplo, a soja, antes das inundações, os trabalhos de colheita estavam em 70% da área total cultivada. No entanto, os 30% restantes, representando cerca de 2 milhões de hectares e 6,5 milhões de toneladas, ainda não haviam sido colhidos. Essa situação coloca em risco 5% da safra estimada para o País, que é de 147 milhões de toneladas.
O arroz, outra cultura fundamental para a economia gaúcha, também sofre com as chuvas. Com 78% da área total colhida, ainda restam cerca de 200 mil hectares e 1,6 milhão de toneladas sob risco. Esse volume representa expressivos 16% da safra estimada para o País.No caso do milho, a colheita da safra de verão foi paralisada devido ao excesso de chuvas e alagamentos, afetando cerca de 27% da área total plantada no Estado. Essas condições de risco representam 6% da 1ª safra estimada para o País.
Neste cenário o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta para perdas incalculáveis até o momento, na área de soja, plantio do milho, milho safrinha, arroz, feijão, algodão, trigo.
A importância do seguro rural o qual abrange coberturas para diversas modalidades: como o agrícola; pecuário, aquícola, de florestas, penhor rural, responsabilidade civil, benfeitorias e produtos agropecuários e seguro de vida do produtor rural e devedor de credito rural. Na apólice/certificado do contrato de seguro estão as coberturas contratadas através dos bancos e corretores de seguros que são os intermediários das seguradoras.
Mas, afinal, quais as principais causas que as seguradoras negam coberturas securitárias? Entre estas estão: chamados riscos não cobertos; pragas e doenças específicas, desastres excepcionais raros ou catastróficos, falhas na adesão às práticas agrícolas; inadequadas ou deficiente, falta de documentação, atraso na comunicação do sinistro, notificação tardia, avaliação de perda entre a do agricultor e avaliação da seguradora sobre a extensão dos danos por subavaliação, ou inspeção independente, informações falsas e exageros de perdas, que possam imputar em má-fé, condições preexistentes, ou seja, danos anteriores, falta de irrigação adequada, dentre outras.
E, como fica a cobertura de seguros para a situação de inundações? Algumas seguradoras possuem diversos produtos se contratados dão cobertura, por exemplo: “colheita garantida multirrisco”, excluem alagamento, mas, se faz necessário analisar as cláusulas das condições gerais, que fazem parte do contrato porque excesso de chuva é risco coberto, por isto a importância de estar amparado com especialistas que atuam no ramo de seguros para melhor amparar seus direitos.
Não é a primeira vez que o Estado do Rio Grande do Sul enfrentou uma crise, a exemplo do ano de 2020, com as secas seguidas por cheias, e perdas na produção agrícola em bilhões de reais afetando diretamente o PIB do Estado, mas, nada se comparou a esta calamidade das enchentes entre abril e maio de 2024.
Os problemas das cheias, são ocasionados pelos fenômenos naturais “la niña e el niño”, este último causou diversos fatores tais como: precipitação intensa e concentrada levando as chuvas em curto período aumentar o volume de água nos rios, desmatamento e uso do solo, a remoção de vegetação nativa e a prática agrícola inadequada, reduzem a capacidade do solo de absorver água facilitando o escoamento superficial e aumentando o risco de enchentes.
Se não bastassem os problemas causados pelo fenômeno, corrobora a falta de manutenção/e averiguação do sistema de drenagem de ruas, estradas, rodovias, como: boca de lobo, valetas, colchão drenante bem como barragem e dique de contenção.
Sobre os impactos financeiros na economia provocados pelas enchentes ocasionaram a redução de produção agrícola, com perdas direta de safras, e queda na renda do agricultor, desemprego, impacto social e de aumento de preços dos alimentos e inflação alimentar, efeitos na indústria e comércios com escassez de insumo, custos altos de produção, matéria prima, redução na atividade comercial, danos à infraestrutura e custos de recuperação, redução nas exportações, perdas de competitividade.
Estudos apontam que, algumas medidas são importantes e urgentes para mitigação elaboração de estratégias e iniciativas, não apenas do poder público, mas, também do privado, contribuem tais como energia renovável, como a eólica e solar, implementação de práticas agrícolas sustentáveis, projetos de pesquisa e monitoramento, várias universidades como a exemplo UFRGS, e institutos conduzem estudos contínuos para melhor monitorar os impactos das mudanças climáticas e acompanhamento de parâmetros climáticos e a modelagem de cenários futuros são essenciais para planejar ações efetivas.
E, por fim, mas, não menos importante o seguro rural que embora insuficiente, através do programa de subvenção ao prêmio do seguro rural do governo federal (PSR), contribui para aquisição de seguros, facilitando o pagamento do prêmio pelo produtor, segundo dados de contratação em linhas gerais, por apólices emitidas no RS, 81.443 representa 65,10%, isto significa que se não houvesse a subvenção o seguro seria mais caro e haveria menos contratação, e recentemente numa entrevista o presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira, declarou que “O Estado pode receber investimento de R$ 500 milhões no seguro agrícola pelo Plano Safra 2024/25”.
O seguro rural, abrange extensa modalidades de contratação através dos bancos e corretores de seguros, e tem relevante impacto financeiro e social, é uma ferramenta essencial para proteger os agricultores contra uma variedade de riscos que podem afetar suas operações.
A importância da contratação adequada à necessidade do segurado, a informação de qualidade esclarecendo dúvidas a fim de que o produtor possa dar continuidade às atividades e caso ocorra um sinistro possa ter segurança financeira diante de eventos adversos.
Ainda vale lembrar, que infelizmente devido a enchente, muitos produtores perderam documentos, então, precisam procurar os bancos/instituição financeira e/ou corretor de seguros, para fazer abertura do aviso de sinistro, a regulação e indenização tem o prazo de 30 dias, e as seguradoras, através de um programa colaborativo com a Confederação Nacional das seguradoras (CNseg) estão agilizando o atendimento para tornar eficiente e eficaz neste momento de calamidade e prestar um bom serviço ao segurado.
* Jaqueline Wichineski dos Santos é advogada, parecerista, mestranda em Direito. Possui pós-graduação em Direito de Seguros e em Processo Civil e Direito Civil. É secretária adjunta e membro do Comitê de Análise da CESPC OAB/RS, além de membro da AIDA BRASIL, da Divisão Jurídica e do Conselho da Mulher Empreendedora da FEDERASUL RS, da Comissão da Mulher Advogada OAB/RS e do IBDS. Também atua como professora universitária e palestrante.
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