Por Walter Polido*
Uma palavra resume a proposta da Comissão de Reforma do CC, sobre a atualização dos artigos que tratam do contrato de seguro e da atividade seguradora: equilíbrio.
Os autores conseguiram sintetizar os ajustes necessários e trouxeram para o conjunto das normas não só a evolução tecnológica, como também o repositório jurisprudencial construído desde 2002. Assim como outros países já haviam procedido, modernizando-se, o Brasil contará com um ordenamento balanceado ao consolidar normas equânimes da relação Segurado-Seguradora.
A distinção feita entre contratos de “adesão” (massificados) e “paritários/simétricos” (nomenclatura extraída da Lei de Liberdade Econômica – 13.874/2019) ou “grandes riscos”, ratifica o modelo internacionalmente aceito e praticado. A Susep iniciou o processo administrativo de flexibilização das condições contratuais no final de 2020 e a reforma do Código Civil consolida esse movimento extremamente positivo.
O Brasil avançou e, ainda que tardiamente, ingressou no século XXI no tocante às bases contratuais. Não há como falar em “subscrição” sem que haja a liberdade para o estabelecimento dos termos e condições para cada segurado, todos eles com suas especificidades em relação às exposições de riscos. Na União Europeia, destacando a importância da customização das condições de coberturas, as Diretivas 2002/92/CE e 2016/97/CE, indicam que os mediadores de seguros têm o dever de adequar os produtos para cada cliente, ao menos indicando as razões que nortearam os conselhos dados quanto a um determinado produto, exceto para os “grandes riscos”.
A padronização de clausulados sob o comando estatal, cujo modelo prevaleceu no Brasil desde sempre e até a flexibilização promovida pela Susep (2020), demonstrou que o procedimento é reconhecidamente estagnante e deve permanecer no passado, na história do mercado de seguros brasileiro, sem qualquer tipo de retrocesso.
Alguns ajustes devem ser feitos, no texto proposto para o seguro, mas o conjunto das normas alteradas/inseridas se encontra bem objetivo, atualizado e em conformidade com os mercados internacionais, o que é essencial para o país. Seguros, embora sejam materializados por contratos nacionais e de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, têm estreita conexão com outros mercados, especialmente através dos contratos de resseguro, Facultativos – risco a risco ou Automáticos – de ramos inteiros. Nos grandes riscos a interconexão é mandatória.
A desmonopolização do resseguro, ocorrida através da Lei Complementar n.º 126/2007, não foi acompanhada, na ocasião, da liberdade de as seguradoras estipularem as condições contratuais dos diferentes tipos de seguros, sem a prévia padronização e registro junto ao Órgão Regulador. Os consumidores brasileiros sempre viveram apartados dos demais países, sendo que os produtos padronizados, de forma conducente e extremada pelo Estado, não produziram excelência técnica no atendimento dos interesses seguráveis.
Longe disso, permaneceram amarrados num passado já distante e estagnados no tocante à criatividade, sem a diversidade de modelos de coberturas já comercializados em outros países, inclusive pela grande maioria das seguradoras que também operam aqui no Brasil. A própria Susep superou este paradigma a partir de 2020. As Seguradoras privadas adquiriam liberdade de atuação na atividade, cujo cerceamento nunca poderia ter ocorrido. O tempo é outro.
A reforma do Código Civil proposta, convém destacar novamente, está imbuída desse movimento modernizante e coloca o mercado brasileiro no mesmo patamar dos mercados desenvolvidos, cujo movimento é essencial para os consumidores nacionais. A reforma não “revoluciona” o sistema a ponto de desconstruir todas as bases já solidificadas e isso é bom para o segmento, para os consumidores e para a continuidade pacífica dos negócios.
O processo de renovação é estimulante. Profissionaliza, necessariamente, os agentes do mercado de seguros. Enriquece a técnica subjacente aos contratos de seguros, de cada ramo. Protege de forma adequada e útil os consumidores de seguros. O ordenamento jurídico ajustado e coerente com a atualidade tem o condão de promover esse círculo virtuoso de desenvolvimento.
Em razão de uma análise preliminar do texto proposto, alguns ajustes são recomendados:
>> Parágrafo único do art. 762 – suprimir, na medida em que a culpa grave, restrita à apreciação/determinação em sede judicial, está superada pela perda de direito em razão da agravação do risco já prevista no art. 768;
>> Parágrafo único do art. 763 – desnecessário, apesar da facilidade atual na comunicação eletrônica. As partes devem cumprir as obrigações decorrentes dos contratos;
>> Parágrafo 2º do art. 766 – todos os proponentes devem prestar informações acerca dos riscos seguráveis e, nos massificados (adesão), se for viável estabelecer tratamento especial, as referidas informações podem ficar circunscritas àquelas solicitadas pela Seguradora, sendo que as eventuais inexatidões devem ser prontamente declaradas/questionadas por ela, ainda na fase pré-contratual;
>> Parágrafo 2º do art. 768 – inapropriado, uma vez que não se pode transigir a respeito do agravamento intencional do risco;
>> Parágrafo 4º do art. 769 – é muito extenso o prazo de 30 dias, desnecessariamente;
>> Parágrafo 5º do art. 771 – inadequada a aplicação exclusiva para os grandes riscos (paritários/simétricos). Em razão do princípio recorrente em seguros de “o que não estiver excluído está coberto”, se for transposto para os termos do parágrafo 5º, pode ensejar a interpretação inadequada de que para os massificados as despesas estarão compreendidas pelas apólices;
>> Parágrafo único do art. 771-C – inapropriado estabelecer a confidencialidade apenas no tocante aos grandes riscos e mesmo porque as partes são paritárias e podem estabelecer, voluntariamente, as regras aplicáveis sem a necessária ingerência do ordenamento;
>> Art. 771-D – desnecessário, até porque a norma está compreendida no artigo 772;
>> Art. 778 – deve prever a possibilidade de o seguro ser contratado pelo “valor de novo”, notadamente em relação a equipamentos eletrônicos, cuja obsolescência é galopante, além de outros bens, assim como já acontece em relação a mercadorias em geral, veículos novos, etc.;
>> Parágrafo 2º do art. 786 – inadequada a aplicação exclusiva para grandes riscos.
Outros comentários e sugestões certamente serão apresentados por diversos especialistas e entidades representativas do mercado de seguros, inclusive para os seguros de pessoas. De todo modo, convém destacar, mais uma vez, a relevância do fato de a Comissão de Reforma ter incluído a parte relativa aos contratos de seguros, tão oportuna e necessária no contexto geral de atualização do ordenamento jurídico civil.
A discussão ampliada do tema, através de audiência pública da proposta e no Congresso, estimulará os ajustes necessários, que são poucos em face da qualidade precisa e incontestável do texto proposto. A reforma do Código Civil, abrangendo também os seguros, é muito bem-vinda.
* Walter Polido é diretor da Conhecer Seguros. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, advogado, técnico-especialista em seguros e resseguros, consultor da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros, também é árbitro em seguros e resseguros, parecerista, professor universitário e escritor.