Por Walter A. Polido*
Muitos profissionais do mercado de seguros têm manifestado suas preocupações diante da possibilidade de o PLC 29/17 ser aprovado no Senado e, voltando para a Câmara devido às alterações sofridas, ser sancionada a Lei de Seguros. Há, em contrapartida, entrevistas e reportagens jornalísticas apresentando as supostas vantagens de o PL ser convertido em lei.
A apreciação do texto em disputa tem sido outro problema, uma vez que o original já passou por várias modificações, gerando Substitutivos. Não se sabe, portanto, de qual PL efetivamente se está falando.
Outro ponto que tem se destacado, o fato de o PL ter hoje uma conotação muito mais personalíssima do que plural sendo que, no meio securitário, ele encontra um número muito maior de profissionais e de entidades que são contrárias à sua materialização em lei, do que adeptos.
Importa destacar a Abecor – Associação Brasileira das Empresas de Corretagem de Resseguros, a Fenaber – Federação Nacional de Empresas de Resseguro, a ABGR – Associação Brasileira de Gerência de Riscos (que representa grandes empresas seguradas) e a Abinsurtech – Associação Brasileira de Insurtech, enquanto entidades que são contrárias, sendo que elas rechaçam a versão integral do PL ou, pelo menos, alguns significativos artigos que modificam o contrato de seguro, a atividade seguradora e resseguradora e podem engessar determinados procedimentos, numa perspectiva de retrocesso.
A CNSeg, por sua vez, veio a público aderir ao PLC 29/17, mas não se conhece efetivamente qual a versão substitutiva dele que ela aprovou. A imprensa especializada dá-nos conta de que o Ministério da Fazenda pressionou a mencionada aderência, mas também são desconhecidas as razões.
Quando o próprio Governo declara que a Lei de Seguros promoverá o incremento da produção de seguros no país, todos os envolvidos no setor sabem que não é real essa manifestação. Não é crível que isso possa acontecer em razão de uma lei. O ordenamento jurídico atual é perfeitamente viável e eficaz, representado pelo Código Civil de 2002 (Capítulo XV), o Código de Defesa do Consumidor de 1990 e também pela Lei mais recente, a de liberdade econômica, a de número 13.874/2019.
Não existe o cenário de insegurança jurídica que é alardeado de maneira parcial. O mercado de seguros nacional opera de forma normal dentro do padrão legal vigente, sem qualquer atropelo, sendo que a jurisprudência é produzida para preencher as possíveis lacunas, assim como acontece em qualquer outro setor econômico.
Quando o Governo central e/ou autoridades do setor afirmam que a partir da Lei de Seguros passará a existir segurança jurídica e em prol dos consumidores, também essa afirmação deve ser analisada com parcimônia e dentro de parâmetros realistas. Preliminarmente, convém destacar que o atual ordenamento não produz insegurança jurídica e, convém ser retratado de uma maneira muito objetiva e franca, que os consumidores-segurados brasileiros, com raríssimas exceções, não leem as apólices contratadas e essa omissão é muito perniciosa para eles, mas é a realidade nacional. Então, por que uma nova lei teria o condão de modificar essa prática e até mesmo motivar que muitas pessoas que têm, em princípio, interesses seguráveis reprimidos por conta do ordenamento atual, passassem a contratar seguros em função da garantia gerada por ela? Ora, esse movimento não é crível e não deve ser propagado e tampouco repetido, de maneira irresponsável.
A proposta legislativa, como ela está indicada atualmente, apresenta pontos conflitantes e equívocos que podem conduzir o Brasil a um isolamento prejudicial. A possível revogação de regulamentações recentes, como a Resolução CNSP 407/21 e as Circulares Susep 620/20, 621, 637, 639, 640, 644, 642/21, 662, 667/22, que visaram a modernização do mercado de seguros, seria uma reversão preocupante.
Além disso, elas foram promovidas de forma amplamente democrática, mediante consultas públicas promovidas pelo Órgão Regulador, sendo que todos os cidadãos tiveram a oportunidade de se manifestar, sugerindo procedimentos. Revogar esse repositório regulatório, o qual foi esperado por todos desde sempre e que permitiu ao Brasil deixar os procedimentos concebidos no século passado no passado, emergindo para a pós-modernidade, não tem qualquer cabimento e justificativa que possa certificar a medida. Seria um retrocesso inigualável.
Convém destacar que o mercado de seguros sequer utilizou, até esse momento, as prerrogativas que a nova regulamentação propiciou, sendo que ele ainda claudica ao adotar procedimentos construídos há algumas décadas passadas, num regime de mercado fechado e de condução extremada pelo Estado.
Levará um tempo de transição para romper com o passado, pois afinal há quase um século o mercado de seguros ficou submetido às condições contratuais e a outros procedimentos determinados pelo Estado: 1939-2007 com o monopólio do resseguro, as condições contratuais eram estabelecidas de forma unificada pelo ressegurador monopolista; 2007-2020 a Susep tomou para ela a condução da padronização das condições e impunha modelos, nem todos eles em conformidade com o melhor standard que pode ser praticado.
Até mesmo as grandes seguradoras estrangeiras que operam no Brasil comercializaram os produtos padronizados aos segurados brasileiros, durante todo esse longo período, em detrimento dos modelos de primeira linha que elas oferecem lá fora, num descompasso total em relação aos graus de coberturas e como se fosse possível classificar os segurados em diferentes níveis, por país: A, B, C, D…
Esse modelo ainda persiste em larga escala, mesmo porque a flexibilização promovida pelo Órgão Regulador a partir do final de 2020 ainda não amadureceu como deve acontecer. Importante repisar, com relação a este ponto, que uma eventual modificação do estoque regulatório em função de uma nova Lei de Seguros, retomando a ingerência do Estado na operação, notadamente na elaboração das condições contratuais dos diferentes tipos de seguros, seria um mal presságio ao país. Voltaríamos a um passado recente que deve ser esquecido, abandonado. A repercussão seria extremamente negativa para os consumidores de seguros, pessoas naturais e pessoas jurídicas. Inquestionável essa perspectiva. Não pode acontecer este tipo de retrocesso pernicioso a todos.
A alegação de que a atual judicialização que o seguro sofre no país é o resultado da liberalização do mercado promovida a partir do final de 2020 é, no mínimo, desconcertante, pois ela não encontra respaldo algum na realidade dos fatos. Preliminarmente, o fenômeno da judicialização remonta a um passado muito mais longo.
A verdadeira causa reside na baixa qualidade dos produtos padronizados e estatizados, provenientes do monopólio do resseguro e da ingerência desmedida da Susep. O Brasil está, repise-se, há quase um século sob o domínio estatal no que diz respeito às condições contratuais de seguros, e os resultados desse modelo antiquado são evidentes.
Precisamos evoluir e jamais regredir. A imposição de condições de coberturas pelo Estado em um país democrático é incongruente. O mercado precisa de liberdade para estabelecer suas condições contratuais, assim como ela existe atualmente, desde o final de 2020. Preocupa às mentes mais abertas, portanto, a possível interferência de uma nova Lei de Seguros, dependendo do teor dela, neste processo liberalizante.
A proposta do PLC 29/17, além de conter alguns sofismas e equívocos, não encontrando paralelos em legislações estrangeiras, demonstra um desconhecimento alarmante sobre o resseguro e das práticas internacionais concernentes. Não somos a “joia da coroa” em termos de mercado de seguros e resseguro, e a ideia de sermos diferentes dos demais mercados internacionais é pretensiosa e prejudicial.
O resseguro é uma atividade fundamentalmente internacional e pensar que os resseguradores aceitarão uma legislação típica de país extremamente intervencionista é, no mínimo, ingenuidade. Não somos um mercado especial e precisamos muito mais do resseguro internacional do que os resseguradores do mercado brasileiro. Questão minimamente numérica e de participação efetiva da produção em face da América Latina e do Brasil isoladamente, no contexto do resseguro internacional. Esse cenário não pode ser preterido por ufanismos desprovidos de razoabilidade.
O possível incremento da ABGF – Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias, estatal 100%, para concorrer com o resseguro internacional é uma proposta desconectada da realidade. A atividade de resseguro deve permanecer com a iniciativa privada, conforme os princípios constitucionais. O mercado nacional deve se alinhar ao que tiver de melhor no mundo, evitando barreiras legislativas impregnadas de ideologia política.
A aprovação do PLC 29/17, seja na sua redação original ou no substitutivo atual, trará custos desnecessários para todos, especialmente para os consumidores de seguros que, ao contrário do que vem sendo afirmado, podem não estar protegidos como se alardeia. Enfrentamos, nessa discussão legislativa, uma situação em princípio desnecessária, guiada por interesses muito mais particulares do que públicos e algumas vezes respaldados por pensadores brasileiros e estrangeiros que, tudo indica, não compreendem completamente o mercado de seguros nacional, a sua história evolutiva e as suas reais necessidades.
* Walter Polido é diretor da Conhecer Seguros, árbitro em seguros e resseguro, autor de livros, consultor e parecerista